Mal 2021 tinha começado, e o WhatsApp disparou uma mensagem dizendo que excluiria quem não aceitasse os novos termos de uso. Que a mudança não foi bem aceita, isso era claro. Mas ninguém sabia o dano que tinha causado: 1,8 milhão de pessoas apagaram suas contas apenas em 10 de janeiro, três dias depois que as notificações começaram a ser enviadas.
O número de contas excluídas apareceu publicamente pela primeira vez agora que a ex-funcionária Frances Haugen vazou os chamados Facebook Papers, documentos internos da rede social aos quais Tilt teve acesso. Um dos estudos revela a preocupação da empresa em medir as perdas causadas pelo aceite compulsório dos termos.
O relatório diz que Turquia, Egito e Hong Kong foram os que mais sentiram a debandada. Só na Turquia cerca de 500 mil usuários deixaram o mensageiro naquele dia. Não há detalhes dos números das outras duas localidades.
Vale dizer que para uma rede social com mais de 2 bilhões de usuários ativos mensalmente, foi um impacto pequeno. Mas a enorme repercussão chamou a atenção para:
- os termos de uso que ninguém lê;
- os dados sensíveis compartilhados entre empresas.
Ficou óbvio para muita gente, naquele momento, que as redes sociais não nos dão muita opção. Ou vou aceita ou você sai dos apps que mais usa —e, em muitos casos, depende financeiramente.
À época, o WhatsApp disse que quem não aceitasse o compartilhamento de dados de clientes das contas comerciais (Business) com as empresas do Facebook teria a conta suspensa.
O movimento chamou a atenção dos órgãos de proteção de dados e práticas competitivas.
Na Turquia, assim que o WhatsApp passou a notificar as pessoas, o órgão antitruste do país passou a investigar o caso e houve uma campanha nas redes sociais pedindo #WhatsAppSiliyoruz (#EstamosDeletandoOWhatsApp”, em tradução livre), enquanto as pessoas migraram em massa para o BiP (um sistema de mensagem da operadora Turkcell), Dedi, Telegram e Signal, segundo a mídia local.
Em Hong Kong, o Signal virou o app mais baixado em 12 de janeiro. No Egito, o Telegram liderou. No Brasil, os dois apps foram baixados por milhões de pessoas, e a rede foi investigada pela defensoria pública de São Paulo e o MPF (Ministério Público Federal).
Depois disso, o WhatsApp flexibilizou a aceite. Hoje, quem ignora o termo de uso pode continuar trocando mensagens sem grandes prejuízos. É assim que funciona hoje no Brasil (veja o que ele diz aqui), por exemplo.
Mas, para quem vive na União Europeia, os termos são outros e ainda mais detalhados e flexíveis. Em novembro, os órgãos reguladores de proteção de dados do bloco multaram a empresa em 225 milhões de euros (R$ 1,4 bilhão), um valor recorde, e obrigou a Meta (dona de WhatsApp, Facebook e Instagram) a alterar o texto das regras.
Segundo investigação do IDPC (sigla em inglês para Comissão de Proteção de Dados da Irlanda), o termo não era claro e precisava dar detalhes sobre quais dados são coletados e usados pela empresa, por que eles são armazenados e quando são deletados e quais serviços outras empresas prestam ao WhatsApp com base nos dados compartilhados.
Também cobrou ainda explicações mais consistentes sobre por que o app envia dados para outros países e de que maneira eles são protegidos.
Na ocasião, o WhatsApp informou que recorreria da multa e que fez “ajustes de linguagem” para atender à decisão do IDPC. A plataforma diz que continua com o compromisso com a privacidade dos usuários, independentemente da localização deles.
Como as mudanças vêm por imposição, quem usa WhatsApp na União Europeia não terá de clicar em nada para “aceitar” essas alterações.
Procurado por Tilt para comentar as informações do documento sobre a perda de usuários, o WhatsApp disse: “Embora não possamos comentar sobre um documento que não vimos, agradecemos a oportunidade de dizer aos nossos usuários que o WhatsApp é criptografado de ponta a ponta”.
Além disso, reforçou o que já havia dito em maio: que “a maioria das pessoas que recebeu a atualização a aceitou” e que o app “continua crescendo”.
*
As informações foram tiradas de documentos revelados à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês) e fornecidas ao Congresso dos Estados Unidos de forma editada pela assessoria legal de Frances Haugen. Desde então, um consórcio de veículos de notícias analisa o material. No Brasil, o Núcleo Jornalismo teve acesso aos documentos e fez uma parceria com Tilt para que as informações fossem compartilhadas.