Quantas vezes você já ouviu dizer que a China vai se tornar a maior economia do planeta e dominar o mundo? A geração de riqueza, medida pelo PIB (Produto Interno Bruto), mostra que o país asiático ainda precisa se desdobrar para superar a posição que os Estados Unidos ocupam desde o pós-Revolução Industrial, no século 19.
Uma projeção do banco Goldman Sachs divulgada em dezembro passado aposta que a China passará os EUA em 2033. Estimativas à parte, a reportagem do R7 esteve na ex-colônia britânica e região autônoma de Hong Kong e nas cidades legitimamente chinesas de Shenzhen (o “Vale do Silício chinês”), Hangzhou (berço do app Didi, o “Uber da China”), Changzhou (polo automobilístico) e Xangai (a maior cidade do país, com 25 milhões de habitantes).
O ponto de partida foi o aeroporto de Hong Kong, após 23 horas de voo a partir do aeroporto de Guarulhos. Por ser uma região autônoma e gozar de certa independência da China, a chegada é amistosa, com um controle de passaportes semelhante ao que se vê com estrangeiros que desembarcam no Brasil ou de brasileiros que entram na Europa.
Com a entrada autorizada, é hora de percorrer de carro cerca de 50 km de distância até Shenzhen. As rodovias na China são muito largas, organizadas e sinalizadas, com cinco ou seis faixas. Carros fabricados na mão inglesa (Hong Kong) dividem espaço normalmente com veículos a que estamos acostumados. Todo mundo se entende e respeita as regras de trânsito. Quase não se vê carro a combustão, a maioria é elétrica ou híbrida.
O controle para sair de Hong Kong é parecido com o de um pedágio de rodovia do interior: algumas cancelas permitem ou vetam a saída. A reportagem passou durante a madrugada nesse ponto, em que houve checagem de passaporte, rápida abertura da porta traseira com um apertar de botão pelo motorista, inspeção visual do fiscal com base na foto do documento e pronto. Sinal verde para seguir.
Mesmo intrigados, eu e um colega jornalista brasileiro, que dividíamos a carona, trocamos alguns olhares e confirmamos: estávamos na China. O motorista poderia tirar essa dúvida com um simples balançar de cabeça em tom afirmativo, mas a estratégia estava descartada; ele só falava chinês e, claramente, estava determinado a não conversar com visitantes e passar informações. Estávamos errados: não estávamos na China.
Imigração na China
Alguns quilômetros depois da barreira para sair de Hong Kong, um novo pedágio, desta vez com dezenas de cabines, muito maior que o de Hong Kong. Aquele era o controle de fronteira da China. Todo mundo é obrigado a descer dos veículos — automóveis, ônibus, caminhões —, caminhar por uma fila e passar, a pé e com as malas, pela imigração.
O motorista, que tinha documento chinês, dirige, atravessa a barreira e espera já em solo chinês. Para ele, é muito mais rápido.
A primeira barreira é eletrônica e automática. Requer apenas a apresentação de um QR code em que você detalha suas condições de saúde, conforme declaração própria. O sistema lê o código e retém suas informações e a cancela se abre, como uma catraca de metrô dessas novas.
Logo depois, outra fila. Dessa vez, vistoria da bagagem pelo raio-X, controle de passaporte, apresentação de diversos documentos (incluindo carta-convite) e algumas perguntas. A fila de estrangeiros é pequena, mas o clima é hostil.
O atendimento começa com a entrega em mãos do passaporte que, ao ser reconhecido pelo sistema eletrônico, inicia uma gravação — em português. Estranho, mas todo estrangeiro é recebido com pedidos de dados em sua língua-mãe, tudo eletrônico.
A partir de então, a máquina começa a solicitar os próximos passos: “Encoste os quatro dedos da mão esquerda conforme a imagem”; “Agora, coloque ambos os polegares no leitor”; “Posicione-se para a foto”. A pasta com uma pilha de documentos (um backup) fica ao lado, à espera de qualquer um que a imigração possa pedir.
Éramos um grupo de dez brasileiros, todos com uma dezena de documentos exigidos pelo governo chinês — de comprovante de vacinação de Covid-19 e febre amarela até o questionário com oito páginas do pedido de visto, carta-convite da companhia chinesa e carta de recomendação da empresa em que cada um trabalha.
Todos passaram, com exceção de um integrante, que foi parar na famosa salinha, onde foi observado de perto por dois agentes de segurança chineses pela “eternidade de 20 minutos”. As autoridades não informam a razão para isso em nenhum lugar do mundo, mas a foto do passaporte dele estava diferente da aparência atual (no documento, foto sem barba).
Ao passarem pela imigração, todos caminham mais alguns metros, onde os carros e ônibus aguardam o reembarque. Os chineses se sujeitam a controle semelhante, embora os habitantes de Hong Kong possam ficar o tempo que quiserem em solo chinês. “É uma sensação de injustiça”, revela um chinês com quem a reportagem conversou e que não será identificado.
“Se quisermos ir a Hong Kong, onde encontramos comidas diferentes, por exemplo, precisamos de um visto e podemos ficar por sete dias lá. Depois disso, temos que voltar para a China para poder entrar de novo. Então, quando queremos ficar mais tempo, é comum ir até a fronteira e simplesmente pedir um carimbo na imigração para voltar a Hong Kong. Só que temos que fazer isso a cada sete dias”, explica.
Comida e hotéis
A alimentação é baseada em massas, caldos, carnes de porco e frango, pouca carne de boi e chás que acompanham as refeições. Bebida alcoólica é rara. A reportagem constatou, mais de uma vez, a presença de macarrão instantâneo no café da manhã, servido num pote com um caldo e uma espécie de polpeta que lembra o gosto de porco — embora não seja carne propriamente. Frutas são um luxo, então, se prepare para pratos mais calóricos.
Nas demais refeições, é comum ver frangos assados expostos (assim como no Brasil), ensopados de porco com ovos de codorna, pés de frango fritos, o tradicional yakisoba e o pato à Pequim, uma iguaria que lembra um preparo “à pururuca”, que nasceu na capital, mas é consumido em restaurantes de outras partes do país (é caro, não é comum nas casas).
Quanto aos hotéis, a China sabe ostentar e mostrar luxo, assim como acontece nas principais cidades do Ocidente e Oriente Médio, de Londres, Paris e Nova York a São Paulo, Rio de Janeiro e Dubai. Alguns são nababescos, repletos de mármore, cheios de estátuas, revestidos de carpetes e donos de quartos maiores que muitos apartamentos a que a classe média está acostumada.
Sensação de isolamento do mundo
Ao passar da fronteira e entrar na China, a internet do celular para de funcionar. Os aplicativos a que estamos acostumados — WhatsApp, Instagram, Facebook, Uber, Spotify — simplesmente não abrem. Se quiser se comunicar com alguém, você precisa ter o WeChat — um app de comunicação chinês.
Para driblarem o controle do governo sobre as redes sociais, os chineses contratam, aos montes, as chamadas VPNs (rede virtual privada, na sigla em inglês). Na prática, é um aplicativo que simula que seu celular ou computador, com acesso à internet, está em outro lugar em que não há proibição de acesso.
Então, da China, você usa um servidor da Holanda, dos EUA ou do Canadá, por exemplo, e consegue navegar (quase) naturalmente pelas redes sociais. “Temos toneladas de opções de VPNs aqui, mas é caro. Eu pago US$ 10 por mês”, revela um chinês que não quis se identificar.
Wi-fi no hotel ou em restaurante? Quase sempre também eles contêm algum tipo de restrição, com isso, o mais seguro para o viajante é usar a internet da sua operadora no Brasil mesmo, o que implica pagar até R$ 60 por dia de roaming internacional. Portanto, prepare o bolso.
Não é só a conexão com o mundo que é limitada. Você percebe logo que dinheiro em espécie e cartão de crédito são meros suvenires na China. Táxis, restaurantes, lojas de conveniência, supermercados e outros tipos de comércio nem sequer aceitam o papel-moeda, seja dólar ou renminbi (a “moeda do povo”, uma espécie de materialização do yuan, que é mais virtual). O cartão de plástico que usamos para inserir nas maquininhas ou aproximar delas também está em desuso na China.
A saída é o AliPay, uma plataforma chinesa que concentra, basicamente, todos os serviços bancários e de locomoção, por exemplo. Você precisa sair do Brasil com um cartão de crédito atrelado ao aplicativo, o que permite o pagamento de contas pela leitura de QR codes ou códigos de barra. Sem isso, você terá problemas para pagar as contas na China.
Para ilustrar, ao entrar numa loja de conveniência de um posto de gasolina, não há sequer máquina de cartão disponível. Existe apenas um leitor em infravermelho, semelhante àquele que os caixas de supermercados usam aqui no Brasil para ler o código de barras dos produtos. Basta gerar um código no seu celular, o atendente passa o escâner e pronto: está pago.
Para finalizar, um pitaco sobre a vida noturna. Se você gosta de agitação, a China não é o lugar ideal para você. Cidades como Shenzhen ou Xangai, a maior do país, praticamente se apagam depois das 23h.
China comunista?
Historicamente, a China está associada ao comunismo e mantém proximidade com países como Rússia, Vietnã e a ditadura de Cuba. O Partido Comunista Chinês governa o país desde 1949, quando a República Popular da China foi criada. Trata-se do único partido legal do país, e, desde 1993, o secretário-geral da legenda também acumula o cargo de presidente da nação.
Se, na política, não há alternância de poder entre partidos políticos e o conceito de democracia não existe, no dia a dia, a economia funciona como um país capitalista ocidental.
As fábricas produzem com base no conceito de mínimo desperdício, ganho de eficiência e margem de lucro, e o comércio e os shoppings funcionam como no Brasil, com livre concorrência e liberdade de preços.
Claro que o governo chinês influencia e, praticamente, é sócio de todas as grandes corporações. Mas a economia flui da forma tradicional e funciona como no Ocidente.
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* O jornalista viajou a convite da BYD do Brasil