“Eu não acredito em nenhuma medida tomada pelo mercado; só a regulação pelo Estado é capaz de reduzir emissões de carbono”. Essa foi a mensagem de um professor sênior alemão em resposta a um modelo de rating de sustentabilidade que ajudei a desenvolver para um banco multinacional brasileiro. Minha resposta foi sorrir e perguntar se ele acha que deveríamos confiar no governo brasileiro para desenhar regulações ambientais.
A Cúpula do Clima COP26 acabou ontem e entre vários sinais de avanço, os Estados Unidos e a China concordaram em trabalhar em conjunto para limitar o aquecimento global. Mas não podemos contar só com ações governamentais. Por exemplo, o sistema financeiro tem papel importantíssimo na alocação de recursos para a transição climática.
Hoje, muito da discussão mundial está no uso de indicadores ESG para balizar portfólios. A ideia é de que é possível dividir os riscos empresariais em ambientais, sociais e de governança (e, por isso, esses riscos são conhecidos como ESG, dos termos em inglês). Investidores deveriam vender ações e títulos de empresas com indicadores ESG ruins e colocar o dinheiro em empresas de baixo risco.
Mas uma área tão importante é o uso de escores de crédito combinado com informações de sustentabilidade em decisões de empréstimos. Bancos não podem contar só com indicadores ESG, pela falta de padronização. Várias empresas reportam suas estimativas de riscos ESG, mas existem mais de 300 padrões de contabilidade para esses indicadores. É impossível comparar muitos dos escores, mesmo se assumirmos que as empresas reportem os riscos não-operacionais corretamente.
Outro problema é o foco somente em riscos não-operacionais. Esse foco significa que investidores podem usar indicadores ESG para criar fatores de desconto para valores de empresas, mas bancos não têm incentivos a usá-los. Afinal, há metas de empréstimos a bater: um sistema que só jogue escores para baixo não funciona se o objetivo é também aumentar o crédito para empresas melhores.
Mas bancos têm informações internas para criar escores para seus clientes. Eles já fazem isso com escores de crédito comuns para saber que taxa de juros cobrar. Há formas práticas e elegantes, embora com alto custo inicial de desenvolvimento, de se criar escores de sustentabilidade, através de modelos que utilizam processos de análises hierárquicas, por exemplo.
Uma empresa poderia ter escore de crédito BBB+ e outro de sustentabilidade, que poderia ser menor ou maior. Um escore sócio-ambiental ruim tornaria o custo do crédito maior, pois também seria maior o risco do banco, mas o inverso também aconteceria: empresas que acelerassem a transição climática conseguiriam mais crédito, com juros menores.
Mas se há modelos e bancos que anunciam objetivos de serem sustentáveis, o que falta? Há um misto de greenwashing (uma forma de mentira verde –dizer que há ações quando só há discurso) e inércia organizacional.
“Mas nossa instituição já leva em conta riscos ambientais e sociais”, disse numa reunião um executivo de banco. “Mas como?”, perguntei. “Fazemos os clientes assinarem documento de que não usam trabalho escravo, não desmatam floresta etc.” Infelizmente, essa é uma atitude comum, embora haja muitas iniciativas interessantes no setor. O que importa é que o setor financeiro se mexa, porque senão não serão seus acionistas que pagarão o pato, mas todos nós.
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