Série Barracões: Império vai contar história de Arlindo norteado por grande sucesso do artista

“O meu lugar é caminho de Ogum e Iansã, lá tem samba até de manhã”. Talvez, nenhuma música fale tanto sobre a forma com que Arlindo Cruz se relacionava com a vida, como a canção “O meu lugar” lançada pelo próprio compositor em 2007. Por isso, o carnavalesco Alex Souza, que em 2023 terá a responsabilidade de contar a vida do sambista, se apropriou do sucesso, produziu um enredo bastante relacionado com a canção e adaptou um pouco o nome para chegar ao enredo “Lugares de Arlindo”. De volta ao Grupo Especial, a Serrinha, nove vezes campeã do grupo de elite do carnaval carioca, vive um momento de reconstrução e espera permanecer e dar sequência a esse trabalho de recuperação da agremiação esperando o retorno aos tempos de Glória da Coroa Imperial. Nada melhor para inflamar ainda mais o orgulho do imperiano na Sapucaí do que falar de um grande baluarte da escola como é Arlindo Cruz. A ideia do enredo foi do presidente Sandro Avelar.

O carnavalesco Alex de Souza revela que tem aprendido e se impressionado muito com a vida e carreira deste grande artista que o Império Serrano vai homenagear no próximo carnaval.

“Confesso que eu não conhecia muito a fundo a história do Arlindo, conhecia aquilo que as pessoas estavam acostumadas, ele naturalmente era um homem de mídia até o momento do problema de saúde, mas algumas coisas me chamaram a atenção em relação ao número de obras dele que é enorme, muita coisa que foi gravada, e tem muita coisa que não foi gravada. Existe até uma certa controvérsia em relação a quantidade de músicas que ele compôs. Ele é uma figura queridíssima no meio musical, as pessoas gostam muito dele. Ele tem muito carisma, tem muita alegria e eu acho a obra dele muito agradável em termos de astral. Eu acho que o Arlindo tem uma coisa de obra de astral, e tem uma variedade muito grande também. Há um lado romântico, um lado do samba mais divertido, com umas tiradas, umas coisas mais engraçadas. Tem um lado mais engajado, de preocupação social. Tem um lado de religiosidade, que ele processa a fé no candomblé, mas é ecumênico, porque você encontra catolicismo na música dele, ele faz referência a várias religiões. Ele tem muitas inspirações na obra dele. E nos shows ele também trazia pessoas que eram de outros gêneros musicais para estar no palco com ele”, explica o carnavalesco.

Alex conta que aprovou desde o início a ideia do presidente Sandro Avelar de escolher para o desfile do Império de 2023 apresentar a vida e obra do sambista, acreditando que a emoção vai ser um algo a mais neste carnaval para tentar a permanência no Especial ou até sonhar com algo a mais.

Foto: Divulgação/Império Serrano

“É uma pena tudo isso que aconteceu com ele (Arlindo). Acho que para esse retorno do Império, foi uma ótima ideia do presidente trazer algo que tivesse emoção, tivesse uma relação muito forte com a escola. Eu fiz questão de fazer essa relação entre o Arlindo e o Império Serrano, porque ele se apaixona pelo Império e se põe como imperiano, a partir de 1989, quando ele ganha o primeiro samba-enredo dele. Ele é de uma família portelense. Além de ser da ala de compositores da escola, ele também prestou homenagem à escola nos shows e nos álbuns, gravando sambas-enredo, gravando sucessos de pessoas que fazem parte desta ala de compositores fantástica que a escola tem. E o mais interessante, o destino, ele venceu sambas-enredo em homenagem a ícones do Império e agora ele é um dos homenageados do Império, assim como Dona Ivone foi, Silas de Oliveira, que ele venceu”, descreve Alex de Souza.

Desfile pretende focar nas obras mas sem esquecer da vida do artista

Com mais de 700 obras oficialmente lançadas de acordo com órgãos de direitos autorais, e uma infinidade de canções que nem chegaram a isso, como passear durante pouco mais de uma hora de desfile por todo esse acervo e ainda falar da intensa vida do cantor? O desafio foi dado ao carnavalesco Alex de Souza que explicou qual a linha que vai seguir para este carnaval do Império.

“O meu desfile vai permear mais as obras do Arlindo. Cada fantasia é relacionada a uma música. Eu fiz questão de colocar quais eram seus parceiros, com quem ele compôs. Naturalmente tem um pouco da vida dele, principalmente isso vai ser retratado na comissão de frente, um pouco vem nas primeiras alas porque é inevitável falar do Fundo de Quintal, e falar do fundo de quintal é falar do Cacique de Ramos. Ele também tem as músicas dele daquele período de Fundo de Quintal, por exemplo, ‘Coração da massa’ é uma música que é do tempo do grupo e é uma homenagem ao Bloco Cacique de Ramos. Tudo é muito relacionado”, define o artista.

Foto: Divulgação/Império Serrano

Uma das grandes sacadas do enredo fica clara a partir do nome “Lugares de Arlindo”. A expressão faz referência à canção “O meu lugar”, grande sucesso do músico. Nela há muito do que é a essência de Arlindo Cruz. Por isso, foi escolhida por Alex para guiar o desfile do Império. Mas haverá referências também que não estão presentes na música.

“O norte de tudo é a música ‘O meu lugar’, porque é uma canção que ela em si já descreve muito do subúrbio, da Zona Norte, de Madureira e Adjacências, fala de religiosidade, fala de grandes figuras do Império, não deixa de falar da Portela. Aquela música, por si só, já é o enredo de fato. Só que eu não repeti o título, até porque tem outras coisas que são acrescentadas, por isso que eu coloquei ‘Os lugares de Arlindo’, porque a gente vai além da música. A música não fala do Cacique e o bloco é um dos lugares de Arlindo, o Fundo de Quintal é um dos lugares de Arlindo. O pagode da Tamarineira é um dos lugares de Arlindo. Tem outras músicas que vão além. A música ‘Banho de fé’ eu descobri depois de já ter criado todo um setor e uma alegoria que tinha tudo que essa música fala. Tem a coisa do compositor de samba-enredo, não só do Império, como de outras escolas. Essa coisa de ele ser do samba, do pagode e também da escola de samba, e ele tem como grande parceira dele a vida inteira, uma porta-bandeira, que também assinou músicas com ele, mãe dos filhos dele. É bem agradável, interessante e gostoso esse enredo”, confessa o carnavalesco.

Trabalho no Império retoma lembranças de infância para Alex de Souza

O Império Serrano será a quinta escola em que Alex de Souza assina um trabalho no Grupo Especial. Com quase 30 anos de carreira como carnavalesco, e mais alguns anos em outras funções, o artista se diz muito feliz de poder produzir o enredo de uma figura tão importante para os sambistas. Alex também lembra que já tem uma relação com a Serrinha de infância, principalmente por uma samba que ficou em seu coração no passado.

“Acho muito bacana a figura dele, a obra do Arlindo, e o tanto que estas pessoas gostam dele. Eu sempre tive em mente, meio de brincadeira, não muito imaginando assim que fosse fazer essas escolas que eram consideradas as quatro grandes do carnaval no passado. Então eu trabalhei no Salgueiro e estou no Império, ainda tem as outras duas. Mas, o Império é uma escola que eu tenho sambas-enredo inesquecíveis e que marcaram a minha vida, a minha infância. Eu com nove anos de idade quis acordar cedo para assistir o Império por causa do samba-enredo. Eu torci pelo Império, pelo menos uma vez, em 1993, quando ela estava no acesso, que era um samba do Arlindo, ‘Império Serrano – um ato de amor’ , que é um samba que eu amo, eu cheguei a ir na Estrada do Portela, no ensaio de rua, lembro do Marçal, que era mestre de bateria da Portela, mas estava no Império, e eu queria desfilar no Império naquele ano por causa do samba. O samba me chamava a atenção. Como foram as obras do carnaval de 1976, 1977 dos imigrantes, que eu adoro. Eu acho que o Império tem além da sua história, tem uma relação de sambas-enredo fantásticos. E estou eu aqui, são coisas da vida. Me sinto honrado e gostei da escolha do enredo pelo presidente”, relembra o profissional.

Foto: Lucas Santos/Site CARNAVALESCO

Além das lembranças de infância e juventude, no passado, o carnavalesco também já prestou serviços a Verde e Branca de Madureira fazendo desenhos para outros carnavalescos como Ernesto Nascimento, Sílvio Cunha, Actir Gonçalves, por volta dos anos 2000. Agora como carnavalesco, Alex, liderando o processo estético e criativo da escola, terá o desafio tornar legível toda a numerosa obra de Arlindo Cruz.

“Confesso que não foi uma coisa fácil de início, porque é complicado, seja pelo lado biográfico vasto, seja pela obra, você tem que pensar que você vai pegar letras de música e um pouco da vida desta pessoa e transformar em visual, fantasia, alegorias. Você tem que produzir uma linguagem visual para uma coisa que está toda nas palavras. Foi preciso criar de forma lúdica imagens retiradas das letras, dos títulos das músicas e um pouco da história dele, para ver o que vai render de imagem. Mas, acho que vai dar certo”, aposta o carnavalesco.

Imponência característica do Império será preservada

Nos últimos quatro carnavais, Alex esteve no Salgueiro, antes fez Vila Isabel,União da Ilha, Mocidade, Rocinha, só para citar o Grupo Especial. A chegada em uma nova escola sempre requer uma fase de adaptação, tanto na questão comportamental como, em relação aos carnavalescos, a questão da estética. É claro que existem diversos casos de parceria. Muitas vezes o profissional chega para realizar uma grande mudança, impor um estilo. Outras vezes é mais uma questão de resgate ou apenas de manutenção do jeito que a agremiação já possui para diversas questões. No caso de Alex, o artista aponta que, obviamente, vai trazer algo do seu estilo, mas pretendendo resgatar uma opulência e luxo que é característica da Serrinha.

“Eu gosto de tentar dependendo do enredo. O enredo às vezes pede uma outra coisa. Mas, tem o lado da escola, tem a personalidade da escola, o jeito de ser, uma característica da escola. Eu enxergo o Império como uma escola que tem um glamour, que tem uma imponência. É a coroa Imperial. Sem ser uma coisa antiquada, dentro das medidas algo luxuoso, algo que seja por esse lado. Porque eu acho que não cabe, na minha visão, uma coisa muito despojada. Eu acho que cada escola tem o seu jeito. Eu não acho legal descaracterizar completamente o que se espera de uma determinada escola. Eu já trabalhei com escola em verde e branco no passado, mas há muito tempo que eu não sei o que é isso. O verde eu achava que tinha uma certa dificuldade. Quando eu comecei o trabalho, eu pensei como o verde é uma cor derivada, você tem muitas tonalidades, eu brinquei com o que eu pude, todos os tons e sobretons de verde. Isso deu uma paleta de cores muito interessante, naturalmente por força do enredo você adiciona outras cores. Tem um pouco de tudo, mas eu acredito que vai ter um conjunto com mil tons de verde”, define o artista.

Um dos símbolos do Império Serrano é a coroa, que sempre gera expectativa se vai aparecer no desfile e como será representada no enredo. Alex Souza não quis revelar muito, mas deixou a impressão de que o símbolo estará presente e será um dos pontos altos do desfile.

“Quanto a coroa, é diferente quando você tem um animal que está representado todo o ano em uma escola. Você tem uma forma da coroa Imperial e você tem ela dentro de um contexto. Eu tenho uma coisa que acho melhor não falar, mas tem muito a ver com esse passado da escola e com suas conquistas. Eu estou unindo elementos que são fortes da história da escola, já para abrir o desfile e espero que cause uma grande impressão logo no início”.

Enredo identitário é trunfo para permanência no Especial

Outra grande questão que o Império Serrano terá que resolver é o fato de abrir o desfile. Essa colocação de apresentação tem sido um problema, neste século, de 21 desfiles, poucas agremiações que vieram do Acesso conseguiram permanecer no Grupo Especial, e mesmo assim, algumas foram em anos em que não houve rebaixamento. Alex revelou ao CARNAVALESCO o grande trunfo que acredita, a Serrinha ter, para vencer este desafio.

“Tem muitas outras escolas que abriram o carnaval que não tem a tradição que o Império tem. São escolas, de repente, muito mais novas, que não tem uma comunidade tão presente, ou uma escola que teve bons êxitos no grupo de Acesso, mas já tem esse pessoal espalhado por aí, de tudo quanto é lugar. No caso do Império, a escola tem aquela coisa de quem viveu a vida inteira ali. Eu sempre ouvi que o Império é uma escola formada por famílias. São várias famílias que fizeram a escola, e até hoje seus descendentes estão presentes. É uma escola que deveria estar na elite como sempre esteve. Logo no primeiro ano entre as grandes, em 1948, ela ganhou, foi fundada em 1947 e seguiu um tetra campeonato. Super escola de samba”, entende Alex.

O carnavalesco complementa falando sobre uma possível presença do cantor Arlindo Cruz que hoje encontra-se em uma situação de saúde que aspira cuidados, após o acidente vascular cerebral que o acometeu em 2017.

“A presença do Arlindo, se for possível, eu creio que trará uma grande comoção, sem dúvida. Acho que o grande trunfo da escola é a vontade do imperiano de botar para fora tudo que puder de empolgação, de alegria, de cantar o samba, dar a vida. Esse carnaval ou nada. Cada ano é um ano, a escola continua, os carnavais virão, mas é uma grande oportunidade de permanecer, tem que trazer essa força, essa garra. É uma escola que tem muitos apaixonados e uma boa parte é formada por gerações mais antigas, pessoas que viram as glórias da escola. Outra, são os mais jovens, que são de fato da comunidade. Acho que nesse sentido é bem raiz. Quem gosta, quem desfila no Império é porque gosta mesmo”, finaliza Alex de Souza.

Conheça o desfile do Império Serrano 2023

Para o próximo carnaval, o Império Serrano vai levar para a Sapucaí 5 carros, mais um tripé. Ao todo são 29 alas, e 3000 componentes. O carnavalesco Alex de Souza explicou mais sobre o que estará sendo representado em cada setor. “A abertura é imperiana mesmo”.

Primeiro Setor: “É uma primeira parte que tem o primeiro samba que foi gravado, a entrada no Fundo de Quintal, o Cacique de Ramos, para fazer essa ligação”.

Segundo Setor: “Neste segundo momento, a gente vai mostrando o subúrbio, um subúrbio boêmio”.

Terceiro Setor: “Depois a gente vai ter uma parte mais religiosa, essa coisa do candomblé, da umbanda”.

Quarto Setor: “Representamos uma parte do pagode romântico e uma menção às músicas românticas”.

Quinto Setor: “Neste momento falamos da parte do Arlindo como compositor de escola de samba. Neste setor também tem o grande amor da vida dele, que é a porta-bandeira Babi Cruz”.

Sexto Setor: “Neste vem a grande homenagem que ele sempre prestou ao Império Serrano e encerra com o ‘show tem que continuar’, e é o próprio Império homenageando o Arlindo”.


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