A Prefeitura de São Paulo terceirizou a organização do Carnaval de rua de 2022 para um ex-funcionário da secretaria de Cultura. Ele foi exonerado em março de 2019 por desavenças com a equipe que coordenava os desfile dos blocos.
O ex-assessor de programação cultural Ronaldo Bitello aparece como beneficiário do contrato de R$ 430,2 mil assinado em agosto entre a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e a FDTE (Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia), ligada à Poli-USP (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo).
Esse é o primeiro contrato do gênero firmado pela prefeitura, já que a logística dos blocos foi elaborada pelas equipes internas da administração municipal nas edições anteriores do Carnaval de rua.
O contrato prevê o planejamento de eventos de grande porte na capital paulista, como o Carnaval de rua, por meio de estudos de engenharia. Na prática, a FDTE terá que apresentar levantamentos sobre a infraestrutura necessária nos trajetos pelos quais os blocos irão desfilar e também sugerir novas rotas de acordo com o público estimado.
O escopo do contrato inclui o desenvolvimento de mapas georreferenciados para cada um dos trajetos e o cadastramento dos blocos.
A proposta do projeto foi apresentada pela FDTE à secretaria de Subprefeituras, que formalizou a contratação sem submetê-la a qualquer processo de concorrência. De acordo com a pasta, nesse caso, a isenção do rito licitatório é permitida por se tratar de uma fundação de ensino, segundo artigo da Lei das Licitações.
Procurada, a FDTE informou que Bitello, formado em Engenharia, figura como colaborador de projetos desde fevereiro de 2020 e não tem qualquer vínculo com a prefeitura.
Ele passou a integrar a fundação um mês após ter sido exonerado de seu último cargo na prefeitura, em janeiro de 2020, como assessor do gabinete do secretário de Subprefeituras, Alexandre Modonezi. Bitello também já trabalhou como produtor do Theatro Municipal.
Creditado como coordenador técnico do contrato para organizar o Carnaval 2022, Bitello chegou a ser indicado em 2019 para integrar o grupo intersecretarial de gestão do Carnaval de rua 2020. Divergências com a equipe de Cultura o levaram, porém, a ser exonerado antes do início dos trabalhos.
Mesmo assim, segundo pessoas ligadas à Cultura, Bitello continuou a se apresentar como organizador do evento.
Em grupos de trocas de mensagens com os dirigentes dos blocos para organizar os desfiles de 2022, Bitello é descrito como um interlocutor da administração municipal. Ele dá orientações sobre o credenciamento e rebate críticas sobre a organização.
O ex-funcionário é um dos fundadores do bloco Confraria do Pasmado, um dos mais tradicionais da cidade. Procurado pela reportagem, Bitello não respondeu ao pedido de entrevista.
No contrato para a organização do Carnaval 2022, a FDTE disponibilizou um site para o cadastramento dos blocos. O endereço, porém, está registrado sob o nome de Bitello desde 2010 e não está ligado ao servidor oficial da prefeitura, como ocorreu em anos anteriores.
A fundação afirmou que o endereço é de uso exclusivo do projeto e que foi habilitado pela Prodam (Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de São Paulo). “Tanto as equipes técnicas da FDTE quanto da SMSUB possuem perfil de administração e acesso completo e permanente aos dados”, informou.
Em nota, a secretaria de Subprefeituras afirmou que irá questionar a fundação sobre a questão do endereço de cadastramento.
Os organizadores dos blocos temem que a base de dados seja usada para negociações futuras com patrocinadores. De acordo com a secretaria de Subprefeituras, o banco de dados dos blocos é protegido pela Lei Geral de Proteção de Dados.
A confirmação do Carnaval de rua em São Paulo ainda depende da avaliação do cenário epidemiológico da cidade que será feita pela secretaria de Saúde mais perto das datas. A empresa vencedora da licitação para patrocinar o Carnaval de rua de 2022 foi anunciada pela prefeitura no último dia 8.
A CBRS S.A., um centro de distribuição ligado à Ambev com sede em Guarulhos, na Grande São Paulo, apresentou a proposta de R$ 23 milhões, o maior valor já captado para o evento na capital paulista.
De acordo com o vereador Antonio Donato (PT), a FDTE acumula três contratos sem licitação no valor total de R$ 15 milhões com a prefeitura desde 2019. Um deles, destinado ao assessoramento da revisão do Plano Diretor de 2014, foi alvo de uma série de críticas e suspenso por liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo no fim de agosto após ação proposta pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto).
Urbanistas criticaram o contrato por julgarem-no desnecessário, pois, argumentaram, a administração municipal tem quadro técnico capaz de fazer o trabalho.
Na ocasião, o prefeito Nunes foi questionado sobre a contratação pelo promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da capital Marcus Vinicius Monteiro dos Santos, e corroborou a decisão sob a justificativa de ter delegado a revisão do Plano Diretor à FDTE. A revisão ainda não foi entregue à Câmara Municipal.
O vereador Donato questionou o TCM (Tribunal de Contas do Município) sobre as contratações sem licitação com a fundação. “É muito estranho uma mesma fundação ter contratos de assuntos tão diversos”, disse.