Lanthimos é um neobarroco, assim como o que melhor se pode encontrar na arquitetura húngara. O filme “Pobres Criaturas” é um tratado sobre nossas estruturas de ficção, combinado com o Real, em excesso surrealista. Foi rodado em Origo Studios, em Budapeste, seus personagens secundários são feitos por magiares e o figurino especula com as roupas e objetos eslavos. Os mares, os céus e o chão aparecem sempre como se tivessem sido pintados à mão, coloridos de maneira a ressaltar detalhes em movimento, mas sem nenhum realismo fílmico, apenas aquela solidão criada pelo excesso de realidade, como nas pinturas de Edward Hopper.
Um dos trabalhos mais heterotópicos de Ferenczi, tirando o clássico “Confusão de Línguas entre Adultos e Crianças” é “Thalassa: Ensaio sobre a Teoria da Genitalidade”, de 1923. Thalassa é a deusa grega que personificava o mar Mediterrâneo, e o texto foi escrito enquanto Ferenczi servia em um hospital militar durante a Primeira Guerra Mundial.
Assim como o cinema de Lanthimos, Ferenczi recebeu comentários dúbios sobre sua obra. Para uns ele estava ficando psicótico, para outros tinha fundado um novo paradigma em psicanálise (as relações de objeto).
Temos exemplos vívidos de conceitos como falha básica, thrilling, e erotismo lúdico em “Pobres Criaturas”. Temas como o ato sexual (ele mesmo), o trauma do nascimento e a filogênese animam tanto a bioanalítica de Ferenczi quando o cinema de Lanthimos.
O Amphioxus lanceolatus, peixe originário, ancestral filogenético dos vertebrados, segundo o psicanalista húngaro, combina admiravelmente com o inesquecível “galiporco” de Lanthimos. Vigora aqui a ideia ferencziana de que o Eu pode se tornar não apenas outro humano, mas também um animal de outra espécie (como um peixe), um órgão corporal (pênis, útero), uma substância (excremento, sêmen), até mesmo uma paisagem ou meio ambiente (oceano, terra).
Exatamente como encontramos em “Thalassa”, o cineasta grego descreve o ato sexual com riqueza de detalhes, envolvendo movimentos, sensações e secreções, fora as interpretações “estranhas”, como convém aos estados heterotópicos, crepuscular e transitório, que governam a cópula.