Paulo Machado de Carvalho era agradecido aos artistas que já faziam sucesso na Rádio Record nas décadas de 30 e 40, como Carmen Miranda, Francisco Alves e Orlando Silva. Assim, quando o compositor, radialista e velho amigo Almirante, responsável pela vinda dos cantores do Rio para São Paulo, lhe pediu um favor o fundador do Canal 7 nem pensou em recusar. Almirante queria que o empresário abrisse as portas da Rádio para um grande show em homenagem aos 57 anos de Pixinguinha, em 23 de abril de 1954.
Durante uma tarde num boteco em São Paulo, acompanhado da cantora Aracy de Almeida e do jornalista Flávio Porto, Almirante contou a conversa que havia tido com o dono da TV Record e a ideia de homenagear Pixinguinha. Aracy convenceu o radialista a propor algo maior para o empresário: um espetáculo com a participação não só do saxofonista e flautista, mas de todos os grandes músicos de sua geração, boa parte no esquecimento. Almirante entusiasmou-se e no mesmo dia voltou à Record para fazer um novo pedido: trazer toda a turma da velha guarda.
Em abril de 1954, Paulo Machado mandou ao Rio de Janeiro um ônibus para buscar Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Bide da Flauta, Bororó, Benedito Lacerda e um violonista de 16 anos chamado Baden Powell. Nascia um dos grandes momentos da história da MPB: o Festival da Velha Guarda.
Paulo Machado não havia esquecido o pedido de Almirante. No dia 23 de abril, às 21 horas, a Rádio Record inaugurava o primeiro Festival da Velha Guarda cantando parabéns a Pixinguinha. Da Rádio Record, os músicos partiram para a estreia no Clube dos Artistas e Amigos da Arte, o Clubinho, presidido pelo pintor Clóvis Graciano. Regado a choro, samba, valsa, maxixe e a doses cavalares de uísque, os shows no Clubinho terminaram na manhã do dia 24.
Para os músicos da Velha Guarda, a maioria com mais de sessenta anos, aquela era uma oportunidade de reviver um tempo em que eles eram a própria vanguarda da música brasileira. O Festival da Velha Guarda encerrou se com mais duas apresentações, no sábado, no Teatro Arthur Azevedo, e no dia seguinte, no parque do Ibirapuera. O show de domingo, transmitido ao vivo pela TV Record, teve momentos de grande de emoção.
Músicos contemporâneos de Pixinguinha, como os cantores Paraguaçu e Januário de Oliveira, subiram ao palco para prestigiar os velhos amigos. Pixinguinha não escondeu o choro ao escutar o pandeiro de Jacó Palmieri, companheiro da primeira formação do legendário grupo Oito Batutas, no início dos anos 1920. Os dois não se viam há mais de trinta anos. No camarote, Almirante chorava junto com Aracy de Almeida, e Paulo Machado de Carvalho comemorava a estrondosa audiência da TV Record, alcançada graças ao sucesso dos músicos de sua geração.
Na madrugada de domingo para segunda, quando voltariam de ônibus para o Rio, a turma da velha guarda decidiu retribuir a homenagem ao patrono da TV Record. Os músicos rumaram para a casa de Paulinho de Carvalho. Passava da meia-noite quando o então diretor artístico da TV Record, já na cama, cutucou Odete, sua mulher. O som de uma música, que parecia bem familiar, ia se aproximando da casa do casal. Era Donga, cantando Pelo telefone (ouça a música abaixo), considerado o primeiro samba brasileiro, acompanhado de Pixinguinha, Almirante, Aracy de Almeida, João da Baiana, Benedito Lacerda, Bide da Flauta e Baden Powell. O sarau prolongou-se até às 6 da manhã, quando os músicos partiram para a rodoviária.
Os shows fizeram tanto sucesso que a festa se repetiu no ano seguinte com patrocínio do Café Seleto e da Loção BriIhante. Discos com o tema do espetáculo foram lançados, e turnês, organizadas sempre por Almirante, prolongadas por vários anos.
* com informações do livro “O Marechal da Vitória – Uma história de rádio, TV e futebol”, de Tom Cardoso e Roberto Rockmann, ed. A Girafa, 2005.
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