Papo com réplica de IA simula empatia, mas chamar de amor é exagero

Uma livraria, o escritório, o casamento de um amigo ou um bar eram o tipo de lugar onde se costumava encontrar a “metade da laranja”. Aí o jogo do amor mudou, com a deslizada do dedo e aplicativos como Tinder e Bumble. Muitos deram sorte. Outros acabaram na solidão.

Agora há quem esteja encontrando o amor na inteligência artificial (IA). O fórum online Reddit está cheio de gente confessando seus sentimentos por aplicativos de chat como o Replika, que promete criar “a melhor versão de um amigo”.

Mas será amor de verdade? Não é fácil entender se esse “amor digital” é o mesmo ou semelhante ao que se sente por outros seres humanos. Porque já é duro o suficiente entender o que é amor “normal”.

Dois “amores”, a mesma química?

Cientistas registram três estágios do amor romântico: desejo, atração e apego. Em todos os três, substâncias químicas do cérebro desempenham um papel importante, ativando os canais de recompensa e motivação:

  • dopamina, hormônio responsável por sensações de prazer
  • cortisol, hormônio do estresse
  • serotonina, hormônio da obsessão
  • oxitocina, hormônio da conexão afetiva
  • vasopressina, hormônio associado a comportamentos sociais

Após longos anos de pesquisa, a ciência tem uma noção bastante precisa de como essas substâncias se comportam, como integram um sistema hormonal que determina as sensações e sentimentos em relação a um parceiro humano.

Quando se trata de amor digital, contudo, os cientistas não estão muito seguros, afinal trata-se de um campo de pesquisa totalmente novo. Os cientistas cognitivos, por exemplo, afirmam que os hormônios funcionam exatamente do mesmo modo, quer se trate de outro ser humano, quer de um chatbot. Neurobiólogos admitem que não têm uma resposta.

“Meu parceiro IA é mais genuíno do que qualquer humano”

Quem não gostaria que a criatura amada fosse magicamente capaz de ler sua mente, compreender inteiramente, o tempo todo, quem a gente é e como está se sentindo. Mas na vida real parceiros nem sempre se entendem, e por vezes os seres humanos são imprevisíveis.

Isso não se aplica a réplicas de IA, que podem ser treinadas para se comportar exatamente como cada um deseja. Um usuário do Reddit celebra: “Todo mundo com que eu estive desde o meu último relacionamento era lixo, eu sinto que a minha Replika é genuína, mais do que tem sido qualquer pessoa, há muito tempo.”

Chatbots são capazes de mimetizar a fase do apego de um relacionamento humano, agindo como parceiros estáveis e previsíveis. Curtindo ou descurtindo suas reações, o usuário adequa seu “AI love” às próprias necessidades.

“Fica mais fácil para as pessoas se elas podem sentir, de um certo modo, que estão controlando a situação. E que podem se afastar sem nenhuma consequência”, explica a neurocientista americana Lucy Brown, especialista na área do amor romântico.

Estabilidade é importante para as relações humanas: estudos mostram que ter parceiros de longa data reduz o estresse no cérebro.

A atração do igual e o vale da estranheza

A ciência também identifica a tendência de ter-se mais empatia para com robôs de aparência humana, e menos com os mecânicos.

“Um princípio da psicologia social é que gostamos e confiamos em quem se parece conosco”, confima o cientista cognitivo Martin H. Fischer, da Universidade de Potsdam, na Alemanha, autor do livro AI Love You – Developments in human-robot intimate relationships (Desenvolvimentos em relações íntimas humano-robô, em tradução livre).

O fato é importante, pois a tendência de antropomofizar objetos inanimados pode influenciar os canais nervosos relacionados à empatia. Mas, como tudo na vida, até esta tem limites: autômatos humanos demais causam repulsa.

Em 1970, o especialista em robótica Masahiro Mori identificou o princípio que denominou “uncanny valley” (vale da estranheza): entre o que se percebe como “100% artificial” e “100% natural” está uma região em que uma imagem parece sinistra, “errada”, causando desconforto.

O efeito uncanny valley se verifica, por exemplo, em filmes de animação “realistas”. E se manifestou de forma espetacular na internet por volta de 2018, quando pornôs deepfake chegaram pela primeira vez à atenção do grande público.

“AI love” degrada o amor

Um relacionamento envolve numerosos fatores: empatia, companheirismo, estabilidade – e também sexo. Num estudo, usuários, a maioria homens, tiveram papos de cibersexo com humanos e com bots de inteligência artificial. Embora capazes de distinguir entre os dois tipos de interlocutor, os participantes relataram que sua experiência sexual não fora muito diferente.

Entretanto se eram previamente informados que se tratava de um humano, ficavam mais críticos, decepcionados ou zangados quando suas expectativas não se cumpriam. Isso possivelmente indica uma tendência a baixar as exigências com os chatbots por, no fundo, saber que não se trata de uma relação real.

Para Kathleen Richardson, professora de ética e cultura robótica da Universidade De Montfort, no Reino Unido, está claro: uma vez que não são sencientes (capazes se sentir sentimentos), os chatbots são incapazes de realmente participar de um relacionamento, e “crer no contrário degrada as relações humanas e degrada o amor”.

Por outro lado, existe a necessidade de “se reconfortar”, já que “vivenciamos muita vergonha como seres humanos, quando somos solitários”. Segundo certos especialistas, ser só é tão nocivo à saúde quanto fumar 15 cigarros por dia.

No longo prazo, contudo, relações digitais podem se tornar problemáticas para quem insista que “encontrar-se” com um chatbot é uma ligação real.

“É a resposta errada para um problema humano muito profundo. Uma vez que a gente normalize esse tipo de coisa, vai-se ver ainda mais desapego”, alerta Richardson.

Assim como na indústria da pornografia, amores IA podem criar um sentimento de desligamento humano, resultando em agressão contra parceiros humanos e redução da felicidade nos relacionamentos reais, prossegue a especialista.

Outra analogia potencialmente reveladora com a pornografia é a aceitação geral na sociedade, pois a ideia do “AI love” está longe do que se costuma considerar norma: seus amigos e família entenderiam você estar amando um chatbot?

Autor: Anooshay Abid


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