Sian Proctor tinha tudo para virar astronauta: doutorado em geofísica, curso de mergulho e de piloto de avião, além de experiência para sobreviver em ambientes inóspitos. Mas, em 2009, a Nasa a dispensou da concorrida seleção, já nas últimas etapas — ela ficou entre os 50 finalistas, mas a agência escolheu só 9 entre mais de 3,5 mil pessoas.
A vida seguiu. Em 15 de setembro de 2021, ela fez história: aos 51 anos, se tornou a primeira a pilotar uma nave espacial (apenas a quarta a ir ao espaço). Foi ela quem esteve à frente da primeira missão totalmente privada a ir à órbita terrestre, a Inspiration4 da SpaceX, empresa de Elon Musk.
Eu sonhei a vida toda em ir para o espaço. Quando recebi a ligação falando que eu tinha sido escolhida, foi como achar o bilhete dourado do Willie Wonka. Era como se minha vida inteira tivesse me guiado para aquele momento. Sian Proctor
Não é de se estranhar que, desde criança, ela queria ser astronauta. Sian nasceu em Guam, uma ilha na Micronésia. Era lá que seu pai trabalhava nas décadas de 1960 e 1970, em uma estação do programa Apollo, que levou o homem à Lua em 1969.
Professora de geologia há mais de 20 anos na faculdade pública South Mountain Community College, em Phoenix, no Arizona, ela também faz ilustrações, quadros e poesias. Tanto que se vê como uma “artista espacial”. Foi graças a estes talentos, e não a toda a preparação técnica, que ela foi ao espaço quase que por acaso.
“Eu consegui – não como geocientista, exploradora ou uma astronauta análoga. Tudo isso está no meu currículo, mas eu garanti minha vaga como uma poeta e artista. Sian Proctor
Poesia espacial
Mais de uma década após o frustrante “não” da Nasa, a jornada ao espaço começou com um poema. Ela entrou em um concurso cultural no Twitter e promovido pelo Shift4Shop, uma plataforma de e-commerce. O vencedor levava um dos quatro assentos da Inspiration4. Foi com o vídeo abaixo que ela deixou centenas de concorrentes para trás:
Não quer dizer que foi fácil. A disputa em plena pandemia de covid-19, como pegou Sian com problemas financeiros e no meio de um divórcio aos 50 anos.
O financiador da viagem foi o bilionário Jared Isaacman, CEO da Shift4 Payments, que embarcou como comandante da missão e selecionou Sian. O custo não foi revelado, mas a estimativa é de US$ 55 milhões por passageiro. “Ele poderia ter levado seus amigos ricos, mas preferiu me escolher como piloto”, lembra.
Com caráter beneficente, a missão arrecadou mais de US$ 240 milhões para o hospital St. Jude Children’s Research, de Memphis, no Tennessee, especializado em câncer infantil. Isaacman doou as outras duas vagas para a instituição: uma foi para Hayley Arceneaux, que tratou um osteosarcoma aos 10 anos e depois virou enfermeira do hospital; a outra foi sorteada entre doadores e acabou com o engenheiro aeroespacial Chris Sembroski.
A série da Netflix “Inspiration4: Viagem Estelar” conta a história da viagem.
Magia do espaço
Nos três dias em que passou no espaço, Sian se impressionou com o “brilho” da Terra vista de fora – tanto que pintou um quadro inspirada por ele.
“Da mesma forma que a gente se banha com o luar à noite, na nave somos inundados pela luz terrestre quando olhamos pela janela. Queria que todos pudessem experimentar esse brilho batendo no rosto. É transformador”, lembra emocionada.
No dia 18 de setembro de 2021, a Dragon voltou à Terra em um mergulho no Oceano Atlântico. Sian saiu dançando de dentro dela.
Astronauta primeiro na Terra
Entre a quase seleção da Nasa e a viagem espacial, Sian se dedicou a virar uma “astronauta análoga” na Terra. Os treinamentos incluíram missões que simulavam viagens espaciais, como viver por quatro meses em uma réplica do ambiente de Marte dentro de um vulcão no Havaí.
Como geocientista, acredito que não há planeta melhor do que a Terra. Nós vamos para o espaço para sermos melhores aqui. A exploração espacial tem tudo a ver com ser mais eficiente com comida, água, energia, resíduos, moradia? todas as coisas que precisamos para sobreviver no espaço são as mesmas que precisamos para prosperar aqui. Sian Proctor
Ela também participou do reality show The Colony, do Discovery Chanel, em que pessoas tentam sobreviver em uma sociedade pós-apocaliptica por dois anos. Em um dos episódios, ela construiu um forno solar do zero.
Mas tudo isso não bastava para ir ao espaço. Antes de pilotar a cápsula Dragon, Sian precisou estudar muito e participar de simulações com os outros tripulantes. “Até então, eu só tinha voado, no máximo, em pequenos aviões Cessna. Fiquei meses lendo manuais enormes, me tornei mais uma engenheira de sistemas do que piloto.”
Desde seu retorno à Terra, ela tem rodado o mundo contando suas histórias em palestras motivacionais. Em sua passagem pelo Brasil, participou do Universo Totvs, feira anual de tecnologia e negócios, em São Paulo, e do Space Studies Program 2023, um curso internacional realizado em São José dos Campos (SP) até agosto.
No interior de São Paulo, virou celebridade. Ao andar na rua, era reconhecida e parada para dar autógrafos, sobretudo para crianças. Seu painel, ao lado do astronauta canadense Robert Trisk, atraiu mais de 5 mil pessoas, das quais 3 mil estudantes de escolas da região. Foi o maior público da história do SSP, que acontece desde 1988.
Em nome dos heróis invisíveis
Sian foi concebida na época em que o primeiro astronauta, Neil Armstrong, pisava na Lua, em 1969; ela nasceu oito meses depois disso e se considera um “bebê de celebração”. Armstrong visitou Guam e agradeceu a equipe — a estação foi essencial para o retorno à Terra.
“Cresci admirando um autógrafo dele na parede do escritório do meu pai, Edward Proctor, que faleceu quando eu tinha 19 anos”, lembra. Para celebrar as origens e a memória de seu pai, ela levou este quadro ao espaço: “Para Ed, obrigado pela ajuda”.
Ela acredita que seu pai, um homem negro, é um destes heróis invisíveis, apagados de nossa história, como as mulheres retratadas no filme “Estrelas Além do Tempo”.
Eu não entendia por que nunca via pessoas que se pareciam com meu pai nos arquivos da Nasa da Era Apollo. Se não fosse pela memorabília que meu pai guardou, seu papel em colocar o primeiro ser humano na Lua estaria perdido na história. Eu quero continuar o legado dele, mas não como uma figura escondida. Sian Proctor
Com isso em mente, criou o conceito de “Espaço JEDI”. Além de uma referência à franquia Star Wars, da qual é muito fã, é um acrônimo: Justice, Equality, Diversity, Inclusion (justiça, igualdade, diversidade, inclusão).
Como professora, percebo o quanto a representatividade importa. As crianças precisam ver pessoas como elas fazendo coisas que pareciam impossíveis. Só assim somos inspirados a usar nossos talentos únicos e nossas paixões para fazer a diferença no mundo. Quero que cada vez mais pessoas ‘comuns’ possam ir ao espaço. Sian Proctor
A Inspiration4 foi um teste de sucesso e um marco para o turismo espacial, que está florescendo com empresas como a SpaceX e suas concorrentes Blue Origin e Virgin Orbit.