Metaverso x Multiverso? Entenda as diferenças entre os dois conceitos

De tempos em tempos, uma nova palavra chega ao mundo para tentar dar conta de explicar algum fenômeno, prática ou nova tecnologia. No ciclo de vida e de morte das palavras, às vezes algumas são alçadas à categoria de “buzzword”, uma expressão inglesa utilizada em referência a uma palavra ou expressão, nova ou já existente, que se populariza por um período limitado de tempo. Em geral, ela é usada para transmitir uma ideia, conceito ou tendência considerada relevante ou inovadora dentro de um dado contexto. Até aqui nada de novo, afinal, essa dinâmica se repete um sem fim de vezes: palavras são criadas e revividas e ganham o mundo como se nunca estivessem lá.

Mas e quando essas palavras se misturam e se confundem com outra? Esse nos parece ser o caso de duas palavras mágicas que foram disseminadas nos últimos anos: “metaverso” e “multiverso”. Você provavelmente já deve ter ouvido falar delas em algum momento —e é até possível que alguém tenha lhe indicado alguma obra sobre “multiverso” para explicar ou exemplificar o “metaverso”.

Ambas são frequentemente utilizadas no contexto da ficção científica e dos jogos digitais, embora não sejam necessariamente novas. O primeiro ponto a ser destacado é que elas possuem significados completamente distintos. E este texto foi produzido no esforço de que ao fim desta leitura você saiba diferenciar um conceito do outro.

Multiverso

Multiverso é um conceito que foi introduzido pela primeira vez dentro da literatura científica, especificamente em escritos filosóficos e da física teórica. O ensaio “Is Life Worth Living?”, do filósofo americano William James, publicado em 1895, costuma ser identificado como a produção na qual o neologismo foi mencionado pela primeira vez —inicialmente para se referir ao significado moral confuso dos fenômenos naturais.

Para outros, no entanto, o poema “Eureka”, de Edgar Allan Poe, publicado em 1848, já havia sugerido a ideia de que o universo em que vivemos seria apenas um de inúmeros outros. De lá para cá, a ideia de multiverso como a conhecemos hoje se desenvolveu amplamente em diferentes setores, com significativas contribuições da ficção científica e deixando uma marca considerável no mundo das histórias em quadrinho (HQs) a partir da década de 1960.

Desde então, o conceito tem sido explorado em várias áreas e foi colocado em contextos muito diferentes daqueles pensados por James, especialmente na cultura popular, e muito mais próximo da ideia de Poe. A ideia mais clássica propõe que existem infinitas versões do universo, ou realidades paralelas convivendo ao mesmo tempo, cada qual seguindo suas próprias leis físicas e possibilidades. Além do nosso universo conhecido, existiriam outros universos, outras realidades. Cada um deles dentro do multiverso pode ter suas próprias características, histórias e até mesmo variantes dos indivíduos e eventos —desde pequenas mudanças até versões completamente diferentes.

O conceito também tem sido extensivamente explorado em várias obras da indústria do entretenimento como filmes, games, animes, animações, desenhos animados e séries, em que os personagens podem viajar entre diferentes realidades, e as editoras podem construir diferentes versões de seus personagens.

Nas HQs, Gardner Fox, da DC Comics, foi o responsável por introduzir o conceito de multiverso. Ele aparece pela primeira vez na história “Flash de Dois Mundos”, da 123ª edição da revista “The Flash”, publicada em 1961. No ano seguinte, Stan Lee e Jack Kirby levaram o multiverso à Timely Comics (atualmente conhecida como Marvel Comics) com a revista “The Fantastic Four #9”.

Mais recentemente, o Universo Cinematográfico Marvel (MCU) —franquia de mídia baseada em um conjunto de filmes e séries de super-heróis produzidos pela Marvel Studios— passou a incorporar o multiverso com mais força nas tramas de:

  • Homem-Aranha no Aranhaverso (2018),
  • Homem-Formiga e a Vespa (2018),
  • Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021),
  • Loki (2021),
  • Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022),
  • Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (2023),
  • Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (2023).

Hoje, o multiverso não se restringe mais ao universo dos super-heróis. Produções recentes como “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” (2022), grande vencedor do Oscar de 2023, e “Barbie”, que será lançado em 20 de julho de 2023, também trabalham o conceito. Nos últimos dias, o lançamento da sexta temporada da série “Black Mirror”, produzida desde 2011 pela Netflix, trouxe o episódio “Joan is Awful”.

[ALERTA DE SPOILER nas próximas linhas deste parágrafo, leia por sua conta e risco!]

A trama explora um conceito de multiverso gerado por computação gráfica onde diferentes versões da protagonista Joan existem em realidades paralelas, intrinsecamente conectadas por um serviço de streaming de vídeos. O multiverso em “Joan is Awful” proporciona um cenário intrigante. Na versão da Netflix desse fenômeno, todos os episódios são criados por uma tecnologia experimental chamada quamputer, uma inteligência artificial generativa que grava as ações de Joan em outro multiverso e as publica diariamente em um serviço de streaming de vídeos. Isso gera conflitos, descobertas e reflexões sobre identidade, coleta de dados, privacidade, direito, escolhas e destino.

Então, como você pode observar, o multiverso não se limita às produções de ficção científica e mobiliza a noção de que teríamos várias versões nossas vivendo de acordo com mudanças que foram geradas na trama do tempo, a partir de escolhas e decisões ligeiramente distintas ao longo do tempo. Mais do que isso, é uma forma de experimentar e testar possibilidades com personagens e ambientes que podem trazer um impacto positivo no desenvolvimento de personalidades e de criação de novos personagens para um universo sedimentado.

Metaverso

Metaverso, por outro lado, é um termo originalmente nascido na literatura de ficção científica. As referências costumam atribuir sua aparição inaugural ao romance de 1992 escrito por Neal Stephenson, intitulado “Snow Crash”. No entanto, o conceito em si pode ser rastreado desde o conto de ficção científica “Pygmalion’s Glasses”, de Stanley G. Weinbaum, escrito em 1935 e uma das primeiras representações ficcionais da realidade virtual. Essas obras são referências importantes quando se discute a origem e o desenvolvimento do conceito de metaverso na literatura e na ficção científica como um ambiente virtual e compartilhado.

Em 2021, o conceito ressurgiu como o principal foco de atenção de algumas das principais empresas de tecnologias e da indústria do entretenimento no mundo. Consequentemente, a menção ao termo aumentou exponencialmente, tanto na imprensa especializada, em eventos acadêmicos e de mercado quanto nas conversações em rede. Uma das primeiras empresas a fazer esse movimento foi a norte-americana Meta (anteriormente Facebook), que se apropriou da ideia para promover uma significativa mudança em sua identidade de marca e no futuro da estratégia corporativa da empresa.

Existem inúmeras definições em circulação sobre o metaverso, portanto, é importante lembrar que é um campo em mudança com interesses e visões conflitantes. Uma definição básica é que ele demanda um ambiente virtual persistente, acessível pela internet, estruturado e navegável, onde os indivíduos possam interagir entre si e com o mundo dentro e fora da realidade virtual. Cada pessoa incorpora um “avatar”, estabelecendo um senso de presença, influência e significado no ambiente.

De Pong até os Multiplayers Battle Royale de hoje, centenas de jogos e plataformas possibilitam a interação entre usuários em ambientes fechados. Ao longo dos anos, a transformação técnica e conceitual associada às tecnologias de internet levou ao que hoje se discute como metaverso —e os videogames, sem dúvida, foram precursores nessa materialização do metaverso. Na prática, seu significado ainda está em construção, com múltiplos agentes atuando na construção e na teorização do que se denomina “metaverso”.

Em resumo, enquanto o metaverso se refere a um ambiente virtual compartilhado e interativo que tem relação direta com o nosso espaço espaço físico, o multiverso se refere a uma concepção de múltiplos universos ou realidades paralelas existentes em simultâneo. São conceitos completamente diferentes. As semelhanças entre eles começam e acabam na sonoridade das palavras.

Aliás, a discussão sobre o termo foi tema da primeira edição de uma série de debates online que tratou de assuntos associados ao metaverso, em uma parceria entre a FGV ECMI e a Meta por meio do projeto “Entremeios: caminhos para o metaverso”. Ao todo foram cinco vídeos discutindo a ideia e suas inúmeras possibilidades. Se você se interessou por essa discussão, gostaria de se aprofundar na temática e acompanhar a construção em torno do que é (ou poderá ser) o metaverso, a série de vídeos é um ponto de partida ideal.

*Pesquisador do laboratório Cubo de Inovação, da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV (FGV ECMI), doutorando em Comunicação e Informação pela UFRGS e mestre em Comunicação, Cultura e Amazônia pela UFPA. Seus interesses de pesquisa incluem game studies, esports, cultura digital, trabalho e lazer e videogames e política.

**Doutora em Comunicação, graduada em Jornalismo e Relações Públicas, pela Uerj. Professora e coordenadora do laboratório Cubo de Inovação, da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV (FGV ECMI). Suas pesquisas discutem espaços lúdicos como lócus de desenvolvimento sensorial, social e de aprendizagem.

***Pesquisadora do laboratório Cubo de Inovação, da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV (FGV ECMI), com foco na interseção entre videogames e trabalho, cultura digital e novas tecnologias e seus mercados. É graduada em Ciências Econômicas pela UFRJ.


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