Medo de quê? Guia de um veterano da internet para não se apavorar com a inteligência artificial


Como podemos nos proteger da inteligência artificial (IA)?


Há pouco tempo, Mike Masnick teve de responder a essa pergunta em uma conversa no WhatsApp com cerca de cem diretores, atores e roteiristas. O grupo, que incluía gente famosa, estava preocupado com um possível futuro sombrio, no qual versões deepfake de atores interpretam roteiros escritos pelo ChatGPT.



Especialista em tecnologia, Masnick aconselhou os participantes de Hollywood a trabalhar com as ferramentas ao seu alcance: denunciar publicamente como vergonhosos os projetos que substituem o trabalho humano por inteligência artificial, usar as leis estaduais de publicidade contra qualquer deepfake não autorizado e lutar vigorosamente por proteções contratuais. (A disputa é intensa: a inteligência artificial é uma das razões que levaram às greves de roteiristas e atores, paralisando o setor de cinema e televisão.)



Mas também os incentivou a lucrar com a tecnologia. Convencido de que o futuro será uma combinação entre a inteligência artificial e o ser humano, ele mencionou o exemplo da cantora Grimes, que convidou as pessoas para usar versões de sua voz geradas por IA, baseadas em músicas que ela havia produzido anteriormente, em troca de metade dos direitos autorais. Uma das canções da GrimesAI está chegando a um milhão de ouvintes no Spotify.


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“Basta deixar que as pessoas sejam criativas e elas vão fazer coisas criativas, aumentando o interesse no seu trabalho. Como a mudança tecnológica é inevitável, vocês devem usá-la a seu favor”, disse Masnick, de 48 anos.


Desde que iniciou seu blog Techdirt em 1998, Masnick vem disseminando essa mesma mensagem à medida que ondas sucessivas de inovação tecnológica provocam temores, desde a época do Napster: a novidade é menos assustadora do que se imagina.



Graças à sua longa experiência e ao profundo conhecimento da história da tecnologia, Masnick se tornou uma espécie de oráculo do Vale do Silício, cuja mensagem é incorporar a mudança, mesmo quando dolorosa, e ter cautela com proteções legais impulsivas que possam ter consequências não intencionais.


Embora não tenha ficado rico, ele exerce influência de sobra. Legisladores, ativistas e executivos o consideram um guia essencial para entender o que está se passando no mundo da tecnologia e qual será o próximo passo.


“Sempre que surgem notícias sobre política tecnológica, quero saber qual vai ser a opinião do Mike”, afirmou Ron Wyden, senador democrata do Oregon, em um comunicado. Mark Zuckerberg, CEO da Meta, chamou-o de “perspicaz e sensato”. O empresário do setor de tecnologia Anil Dash comentou que Masnick vem registrando as novidades do mundo da tecnologia há décadas, em ritmo vertiginoso.



No entanto, Masnick aparentemente não teve tempo de reformular seu blog. Um mural repleto de texto, com muitos links, que não evoluiu muito desde sua fundação.


Trabalho intelectual autônomo


De seu escritório com vista para o movimento de entrada e saída dos funcionários de empresas de tecnologia e uma imponente estátua do Buda voltada para a rodovia U.S. 101, nos arredores do Vale do Silício, em Redwood City, Masnick iniciou suas publicações on-line sobre o “setor de alta tecnologia” no fim dos anos 90, enquanto frequentava a faculdade de administração. Essa empreitada, em grande parte uma estratégia para conseguir emprego em uma startup há muito tempo esquecida, logo se tornou um compromisso contínuo.


Masnick observou atentamente a evolução do setor de tecnologia, desde sua fase de força disruptiva até se tornar uma influência dominante global, embora não tenha conseguido colher os astronômicos benefícios financeiros desse desenvolvimento. A melhor maneira de descrever sua fonte de renda é designá-lo como um profissional intelectual autônomo, proprietário de empresa, jornalista de tecnologia, analista de políticas, pesquisador e designer de jogos.


O Techdirt mantém um grupo reduzido de funcionários e colaboradores remunerados, a maioria dos quais é selecionada de forma meritocrática a partir do que deixam escrito na seção de comentários do site. Por causa do compromisso de Masnick com a livre circulação de informações, o Techdirt nunca adotou uma abordagem de acesso pago. A receita proveniente de publicidade e o apoio dos cerca de um milhão de leitores do site nunca foram suficientes para cobrir totalmente suas despesas.


Masnick já compartilhou mais de 51 mil publicações em seu blog, geralmente longas, e acrescenta novas postagens várias vezes ao longo do dia. Além disso, mantém um podcast semanal.


Em uma sexta-feira deste mês, suas publicações abordaram as propostas de regulamentação para a IA (a maior parte das quais ele considerou negativas), a rejeição de um processo legal contra a Amazon por comercializar “kits de suicídio” para adolescentes (um caso trágico, mas uma decisão acertada, segundo sua análise) e os desafios jurídicos enfrentados pelas leis “absurdas” de verificação de idade voltadas para proteger as crianças on-line. (Recentemente, apresentou um depoimento em um processo judicial que visa impedir que a Califórnia promulgue tal regulamentação, detalhando como seria oneroso para o Techdirt o cumprimento de tal medida.)


Ele é o responsável pelo Copia Institute, laboratório de ideias que coordena eventos sobre regulação da internet e elabora relatórios de pesquisa relacionados ao mundo tecnológico. Aceita patrocínios de fundações e empresas, incluindo aquelas sobre as quais escreve, como Google e Yelp. Seu envolvimento financeiro poderia deixá-lo em apuros em organizações jornalísticas convencionais, mas esse não é o caso em um blog que ele comanda pessoalmente. Masnick garante que os patrocinadores nunca exercem controle editorial sobre os conteúdos.



Segundo ele, ser um pequeno blogueiro independente de tecnologia significa “encontrar o ponto de equilíbrio da sobrevivência”.


Na cabeça dos CEOs de tecnologia


A mensagem que surgiu em fevereiro de 2021 na caixa de entrada do Facebook Messenger de Masnick era do CEO da empresa, Mark Zuckerberg: “Acho que não nos conhecemos pessoalmente, mas seus textos sempre me pareceram perspicazes e sensatos, mesmo quando você nos critica por nossas falhas.”


Masnick tentou responder, mas sem sucesso. Como ele e Zuckerberg não eram amigos na plataforma, sua mensagem foi rejeitada.


Perfeitamente alinhado com seu papel de observador externo cujos textos são lidos pelos envolvidos no meio, Masnick fez contato com outra pessoa pelo Facebook e, logo em seguida, Zuckerberg lhe enviou uma mensagem direta, pedindo desculpas pelo “bug”.



Quando conversaram por telefone, Zuckerberg perguntou a Masnick o que o Facebook estava fazendo de errado. Como tem aversão a empresas de tecnologia poderosas que exercem muito controle sobre a experiência on-line das pessoas, Masnick sugeriu que Zuckerberg considerasse a possibilidade de descentralização.


Ele abordou um conceito que vem defendendo, chamado “protocolos, não plataformas”: um software interoperável, semelhante ao e-mail, que permitiria a interação de pessoas de diferentes serviços e o desenvolvimento por parte de terceiros. Essa abordagem abriria espaço para uma variedade de filtros e algoritmos de conteúdo que os usuários poderiam escolher, concedendo-lhes maior controle sobre o que veem e o que ignoram.


Isso resultaria na redução do poder de figuras como Zuckerberg, já que sua empresa permitiria que terceiros atuassem como mediadores do discurso on-line, embora também pudesse desviar as críticas direcionadas à disseminação de discursos prejudiciais e à censura.


A proposta encontrou eco em Jack Dorsey, cofundador do Twitter, que reconheceu em Masnick a inspiração para criar o Bluesky, réplica do Twitter que adotou essa abordagem.


Masnick passou mais de uma hora ao telefone com Zuckerberg, mas não tinha certeza de que ele estivesse realmente ouvindo – pelo menos até o mês passado, quando este último lançou o próprio clone do Twitter, o Threads. O comunicado de imprensa destacou a intenção de transformá-lo em um protocolo interoperável com outros aplicativos, incluindo o Mastodon. Masnick celebrou essa decisão com uma postagem extensa em seu blog.


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