Mauricio de Sousa descarta aposentadoria e revela seu ‘plano infalível’ para o futuro


Aos 87 anos, Mauricio de Sousa conta com um esquema de guerra para dar conta de todos os seus compromissos. Sua equipe, além de equilibrar a agenda com períodos de descanso, preocupa-se também com a integridade do criador da Turma da Mônica.


No ano em que sua principal personagem faz 60 décadas de existência, ele não pensa em aposentadoria e prepara uma cinebiografia sobre sua vida, na qual será interpretado pelo filho, Mauro Sousa.


Paralelamente a isso, dedica-se ao trabalho de internacionalização da turma, impulsionado, principalmente, pelo alcance da Mônica Toy no YouTube e nas redes sociais. Ele conta que, com esses vídeos, além de ter agradado à China, conseguiu ganhar público na Rússia, algo inédito. Confira abaixo a conversa do quadrinista com o R7 Entrevista.



R7 Entrevista — Você esperava que a Mônica fosse fazer 60 anos tão ativa?
Mauricio de Sousa: Queria que isso acontecesse, mas não imaginava. Estou satisfeito com o que já aconteceu, com o que está acontecendo e com o que vai acontecer a partir de agora. Minha filha, que inspirou a personagem, está muito orgulhosa de tudo o que está acontecendo ao redor dela. Então, fico muito feliz.


Você foi ovacionado na Bienal do Livro do Rio. Como é ver diferentes gerações de leitores juntas só para vê-lo e ouvir você falar?

Esse contato com meus leitores é a energia que me move. A Bienal tem essa mágica de os autores poderem saber quem está do outro lado do livro e ao vivo. Nada pode ser melhor para uma festa literária. Quero continuar escrevendo e criando. É uma festa que faz bem pela cultura brasileira.


Teve algum encontro com fã que o comoveu de uma maneira especial? Como foi?

Tive vários. Às vezes chegamos ao choro juntos. Lembro que um casal nos visitava nas Bienais com seu filhinho autista. Ele se vestia de Chico Bento. Os pais disseram que ele tinha dificuldade de falar, conversar, mas que, vestido de Chico Bento, começou a se comunicar. De alguma forma o personagem foi sua ligação com os pais. Até que um dia eles foram visitar o estúdio e o menino não estava mais vestido de Chico Bento. Os pais disseram que ele não precisava mais e que houve uma evolução mágica.



A exemplo da Turma da Mônica: Laços, você pretende investir mais no cinema?

Não posso dar spoiler, mas já estão anunciadas três produções de cinema. A Turma da Mônica Jovem em live action [com atores reais], para o fim deste ano, e o Chico Bento, também em live action. Isso além do filme que conta a minha vida para o início do ano que vem. E não vamos parar por aí. Aguardem!


E a Turma da Mônica internacional? Em qual país você percebe uma maior recepção?

Em todos os países que visitei fomos sempre bem recebidos. Uma vez, anos atrás na China, eu estava dentro de um trem-bala onde havia crianças brincando, correndo de lá para cá e vice-versa, em uma bagunça total. Eu tinha alguns exemplares de gibis da turminha em mandarim que levava comigo para as reuniões com editores. Tirei alguns e distribuí para as crianças. Todos ficaram tão quietinhos lendo que as pessoas no trem se olhavam, não entendendo como eu havia conseguido aquilo. E não havia gibis da Mônica por lá. Mas adoraram logo de imediato.


Como os gibis da Mônica podem contribuir para uma futura geração de leitores?

Há muito tempo estamos produzindo um material que os professores acabam utilizando na sala de aula como ferramenta de ensino. A linguagem dos quadrinhos é bem especial para isso. Quero cada vez mais estar próximo da educação porque é na escola que se criam os grandes leitores e também os grandes autores.



Você foi um jovem que adorava ler. Pode falar um pouco sobre quais foram as suas principais influências literárias?

Comecei pelos quadrinhos, mas depois logo me interessei por Monteiro Lobato. Aí peguei o gosto e na minha juventude cheguei a ler um livro por dia. Havia vários autores brasileiros de que eu gostava, como Erico Verissimo, Machado de Assis, Jorge Amado e Raquel de Queiroz, entre outros. Minha mãe ficava louca porque eu começava a ler e queria terminar no mesmo dia, então entrava pela madrugada lendo.


E na área dos quadrinhos? Quem você mais gostava de acompanhar?

Nos quadrinhos, o maior de todos foi o Spirit [super-herói criado em 1940]. Eram histórias de suspense, mas com aquele ar urbano. O autor, Will Eisner, é considerado um mestre na linguagem e, anos mais tarde, quando eu já estava vivendo de quadrinhos, ficamos grandes amigos.


Uma vez você me contou que um professor chegou a segurá-lo por anos na mesma série. Qual foi o papel da escola na sua vida?

Na verdade, meu pai se mudava muito de cidade porque tinha um jornal que criticava os poderosos. Vez ou outra tínhamos nossa casa depredada, onde ficava a impressora. Assim, prejudicava a continuidade dos meus estudos. Mas foi na escola que uma professora me deu grande impulso para que eu me transformasse no que sou hoje. Ela viu que eu desenhava nas bordas do caderno no meio da aula e, em vez de me criticar, disse que queria que eu trouxesse a lição de casa com desenhos também. Então, me fez acreditar que meus desenhos eram bem-vindos.



Como é a sua relação com as redes sociais? Sei que você é um antigo usuário do Instagram. Ainda é você mesmo quem responde?

Sou eu mesmo quem responde no Twitter [atual X] e posta no Instagram. Claro que, quando respondo, escolho alguma pergunta que se repete para poder responder a mais fãs. Esse contato me traz um retorno imediato do que os leitores estão pensando sobre nossas histórias. Assim, podemos usar sugestões e até algumas críticas bem interessantes.


Como a Mônica se adaptou à chegada das novas tecnologias e do streaming, por exemplo?

Os personagens das histórias em quadrinhos têm que acompanhar o que está acontecendo em termos de mudanças de costumes e de hábitos também. Queremos captar todas as possibilidades de falar com nosso público. Estamos recriando a utilização dos nossos personagens para obter o maior número de novidades possível. O que pudermos inventar, vamos inventar.


Mônica Toy é um sucesso no YouTube. Como a sua produtora conseguiu lidar tão bem com as novas mídias que foram aparecendo?

Nossa ideia é estarmos em todas as plataformas de comunicação que existem e nas que vão surgindo com o tempo. Para isso, é preciso falar a linguagem da hora e da vez das crianças e dos jovens. E nunca paramos de ter ideias. A Mônica Toy foi uma ideia de animação simples e rápida para entrarmos justamente no YouTube. Os personagens não falam e toda a trilha sonora é com efeitos de som. Assim, produzimos e colocamos no ar imediatamente para o mundo todo sem precisar de dublagem. O resultado é que, com essa animação, estamos atingindo mais de cem países. Alguns, como a Rússia, por exemplo, onde nunca estivemos.


Você lucra muito com licenciamentos. Acha que é uma forma de ter verba para realizar outros projetos?

Conseguimos fazer esse milagre de ter condições de fazer teatro, filmes, quadrinhos. É um negócio também, que mexe com essa coisa linda que é a educação e a cultura.


E qual seu plano infalível para o futuro?

Respirar.


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