Inspirado por Stanley Kubrick e John Carpenter, mistério imperdível acaba de chegar à Netflix

Filmes de terror só têm graça quando apreciados em sessões malditas de um cinema decadente de um bairro afastado à meia-noite. Feita essa ponderação, “Maldição da Floresta” é divertido, melancólico, nonsense e pretensioso em sua exposição de uma história de crimes num cenário meio fantástico de um imenso bosque mal-assombrado, o que sugere um conto de fadas neogótico à “João e Maria” (1812), divulgado nas celebrações das comunidades germanófonas ao longo da Idade Média (476-1453) e colocado no papel pelos Irmãos Grimm, no qual as duas crianças cedem espaço a pesquisadores abelhudos que chegam à mata com propósitos nobres enquanto o mundo sucumbe ao caos de um vírus desconhecido e inclemente.

No texto de Ben Wheatley, o diretor-roteirista, percebe-se a classe do Stanley Kubrick (1928-1999) de “O Iluminado” (1980) ou “Laranja Mecânica” (1971), junto com o arrojo iconoclasta de John Carpenter em “Eles Vivem” (1988) ou “Halloween – A Noite do Terror” (1978).

A vida é mesmo um mistério, e circunstâncias inexplicáveis — e não raro sinistras — sempre hão de sobrepujar a jornada de cada um em algum momento, até com uma frequência intolerável, insana, misturando tudo ao caos que faz com que o existir pareça imerso numa substância untuosa que interdita qualquer movimento, dando a impressão de que a realidade cedeu lugar a uma condição muito específica, como se um sonho, longo, extenuante, que suga as energias daqueles que dorme e tentam, em vão, fazer com que pesadelos acabem num despertar suave.

Ao se dar conta, enfim, de que está encarcerado a memórias de que deveria livrar-se — malgrado jamais pudesse —, de que sua história até ali, em maior ou menor medida, há de manifestar alguma influência sobre os rumos que toma agora, de que está a reboque dos desmandos de seu próprio pensamento, no labirinto nebuloso de sua cabeça tão instável, cabe ao homem apenas convencer-se de que viver é mesmo a cornucópia de delírios que lhe parecia desde tenra idade.

O terror é, disparado, o gênero de filmes em que mais chavões pululam com maior insolência, e refinando-se o corte, conclui-se sem margem para grandes contestações que as narrativas que se passam em lugares isolados, escuros, desabridamente hostis para forasteiros são as que mais apresentam as chagas do copia-e-cola, muito em função da praga criminosa das franquias. É necessária uma paciência de exorcista para encontrar alguma coisa que se destaque no oceano de mesmice e besteirol de que essas produções são pescadas, permitindo-se contagiar pelo entusiasmo adolescente da licença poética.

Wheatley vale-se das sombras do espírito humano para colocarAlma e Martin na floresta do título, e apela também para a escatologia a fim de capturar a atenção de quem nutre o interesse mórbido pelo assunto. Os personagens de Ellora Torchia e Joel Fry sofrem um atentado já na introdução, e o ferimento no pé de Martin, relacionado de uma maneira visceral à atmosfera monstruoso da paisagem, fica cada vez pior, explicando boa parte do que acontece a seguir.

No momento em que o diretor traz à cena Zach, o ermitão bestial de Reece Shearsmith, e Olivia Wendle, de Hayley Squires, “Maldição da Floresta”, na Netflix, se assemelha a “O Massacre da Serra Elétrica” (1974), dirigido por Tobe Hooper (1943-2017), sem nunca encontrar identidade própria. É um problema? Depende.


Filme: Maldição da Floresta
Direção: Ben Wheatley
Ano: 2021
Gêneros: Terror/Ficção científica
Nota: 7/10


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