“Ao contrário de outras condições altamente prevalecentes, a EHNA tem recebido pouca atenção da comunidade mundial de saúde pública. As respostas do sistema de saúde e da saúde pública à EHNA têm sido fracas e fragmentadas e, apesar de sua abrangência, ela é amplamente desconhecida fora da hepatologia e da gastroenterologia”, destaca o artigo científico.
O trabalho, que destaca os impactos sociais e econômicos da falta do combate desta doença e também suas implicações nas condições gerais de saúde dos pacientes, foi encabeçado por Jeffrey V. Lazarus, integrante do Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal) e da Universidade de Barcelona, e reuniu também as perspectivas de um total de 218 especialistas multidisciplinares de diversos países, incluindo o Brasil.
Segundo o documento, o “substancial fardo” econômico e social causado pela EHNA varia de acordo com as regiões do mundo, sendo maior no Oriente Médio, onde a taxa de portadores da doença é de 32%, e na América do Sul, com 30%, enquanto a África é o continente menos afetado, com apenas 13%.
No entanto, os especialistas alertam para a preocupante falta de dados sobre o assunto e denunciam a ausência de uma condição tão importante dentro das estratégias e políticas nacionais e internacionais para doenças não transmissíveis.
“A necessidade de procedimentos intensivos em recursos para avaliar e determinar com precisão a gravidade da doença é uma barreira à vigilância baseada na população para a EHNA, assim como a variedade de métodos e critérios de diagnóstico. A disponibilidade de dados de boa qualidade continua impedindo uma ação nacional e global concertada sobre a EHNA”, enfatizam os cientistas no artigo publicado no dia 27 de outubro.
GORDURA NO FÍGADO E OBESIDADE.
De acordo com o presidente do Instituto Brasileiro do Fígado (Ibrafig), Paulo Bittencourt, a gordura no fígado é muito associada à presença de fatores de risco que são muito prevalentes na população e que estão relacionados à “vida moderna”, como obesidade, sobrepeso, diabetes e uma má alimentação, rica em carboidratos, açúcares, gorduras e alimentos ultraprocessados.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2025 a estimativa é de que 2,3 bilhões de adultos ao redor do mundo estejam acima do peso, 700 milhões deles com obesidade, enquanto no Brasil, segundo um levantamento feito pelo IBGE em 2019, estima-se que cerca de 96 milhões de brasileiros estivessem acima do peso.
Neste sentido, Bittencourt lembrou, em entrevista à Agência Efe, que apesar de Oriente Médio e América do Sul serem as regiões mais afetadas pela EHNA, os impactos desta doença diretamente ligada ao sedentarismo e à má alimentação nos sistemas de saúde destes locais são menos conhecidos. Já no México e nos Estados Unidos, por exemplo, a esteatose hepática é, atualmente, a principal causa de cirrose, transplante e câncer de fígado.
“Aqui no Brasil ainda temos outras mazelas, como a questão do álcool e das hepatites virais, mas em algus países em relação a impacto na saúde populacional e no sistema é muito grande, com realocação de recursos”, acrescentou ele.
No entanto, o hepatologista explicou que nos próximos três ou cinco anos a gordura no fígado deve se tornar a maior causa de transplantes do órgão no Brasil, apesar de poder ser facilmente diagnosticada e controlada com mudanças simples na dieta e inclusão de atividades físicas leves na rotina dos indivíduos se detectada precocemente.
IMPORTÂNCIA DA PREVENÇÃO.
Bittencourt considera preocupante que a EHNA seja “muito pouco valorizada”, tanto pela população de uma forma geral como pelos gestores públicos de saúde, que não costumam pedir exames para avaliar o fígado de pacientes que apresentam um risco maior para EHNA.
Esses fatos foram corroborados por uma pesquisa encomendada pelo Ibrafig ao Datafolha em setembro deste ano, que indicou que 86% dos brasileiros acreditam que a gordura no fígado é uma das principais causas de câncer de fígado, e 73% disseram que está relacionada a doenças cardiovasculares (como infarto e AVC). No entanto, 56% dos entrevistados informaram que nunca fizeram exames para avaliar a saúde do fígado.
“A gordura no fígado está presente em 30% dos brasileiros, mas o que causa a doença hepática é uma associação entre gordura no fígado, inflamação e necrose (…) Os indivíduos que podem evoluir com formas graves são em torno de 1%. As pessoas que têm gordura no fígado acabam tendo mais problemas cardiovasculares do que hepáticos (…), mas esse 1% em um universo de 30% da população (que conta com 212,6 milhões de habitantes) é uma quantidade enorme de pessoas”, ressaltou Bittencourt.
O presidente do instituto vinculado à Sociedade Brasileira de Hepatologia também reiterou a importância da conscientização sobre a adoção de hábitos mais saudáveis e sobre a realização de exames preventivos, que moderiam mudar outra tendência alarmante: o aumento de casos de EHNA em crianças.
“Uma alimentação desregrada, o aumento dos casos de obesidade e de diabetes infantis estão levando a um incremento grande de crianças com gordura no fígado e que correm o risco de desenvolver já na adolescência ou na idade adulta uma doença hepática grave”, concluiu Bittencourt. EFE
apc/id