Em meio à crescente pressão internacional contra o golpe de Estado no Sudão, o chefe do Exército e um dos líderes do movimento, general Abdel Fattah al-Burhan, nomeou nesta quinta (11) um novo conselho de transição para comandar o país. Uma coisa, porém, não muda: é o militar que continuará liderando a nação.
O novo Conselho Soberano –órgão que já existia desde 2019 para preparar o país para a democracia– terá 14 membros. O grupo, segundo o líder, inclui civis que representam as regiões do Sudão, mas nenhum faz parte da coalizão política das Forças de Liberdade e Mudança (FFC) que compartilhava o poder com os militares antes do golpe. Burhan já chefiava o conselho antes do movimento.
O órgão também inclui representantes de grupos rebeldes que chegaram a um acordo de paz com o governo no ano passado. Estes se opuseram ao golpe de Estado, já que, na prática, ele encerrou o acerto de divisão de poder entre militares e civis estabelecido com a derrubada de Omar al-Bashir, em 2019. Antes do golpe, a previsão era de que eleições acontecessem no final de 2023.
Soma-se ainda ao descontentamento local e internacional o fato de que o vice de Burhan continuará a ser Mohamed Hamdan Dagalo, comandante das poderosas Forças de Apoio Rápido paramilitares.
Dagalo também ocupava o posto antes do golpe, mas à época o país era liderado conjuntamente com o premiê civil Abdallah Hamdok, detido durante a tomada de poder, mas liberado e posto em prisão domiciliar um dia depois.
Burhan e Dagalo deveriam entregar sua liderança a um civil nos próximos meses.
Aboulgasim Mohamed Burtum, integrante do conselho recém-nomeado e ex-parlamentar, disse à rede Sky News que espera que o novo governo seja bem recebido. “Somos civis, e os civis não são apenas Hamdok”, afirmou.
Ainda nesta quinta, o médico sudanês Mohamed Nagi Al-Assam, que se destacou no levante contra Bashir e foi um forte crítico do golpe, foi preso e levado para um local desconhecido, segundo informações de um sindicato de médicos.
Em meio à escalada autoritária, a oposição do país, formada por grupos civis, tenta resistir por meio de manifestações, greves e comícios em massa –as próximas estão previstas para sábado. Já na noite desta quinta, porém, os manifestantes fecharam estradas e queimaram pneus em vários bairros da capital, Cartum.
A Associação de Profissionais do Sudão, uma das organizações de oposição ao golpe militar, disse não reconhecer as nomeações para o novo conselho. “Eles [integrantes do grupo] não têm legitimidade e serão recebidos apenas com desprezo e resistência”, afirmou o grupo, em comunicado.
Já o ministro de Informação do Sudão, Hamza Balloul, ligado ao governo de Hamdok, disse que o anúncio era uma extensão do golpe e que estava confiante de que o povo sudanês poderia derrotá-lo.
As Nações Unidas, por sua vez, classificaram o movimento de Burhan como “muito preocupantes”. A agência Reuters informou que, em fala a portas fechadas no Conselho de Segurança da ONU, o enviado da instituição para o Sudão, Volker Perthes, afirmou que “a janela agora está se fechando para o diálogo e para uma resolução pacífica”.
A tomada de poder pelos militares ocorreu em 25 de outubro, quando Burhan assumiu o poder e líderes civis, incluindo ministros e o premiê, foram presos. Logo após o golpe, sudaneses foram para as ruas protestar, mas as manifestações subsequentes têm sido prejudicadas por um apagão de acesso à internet móvel em todo o país.
Nesta quinta, um juiz ordenou que duas empresas de telecomunicações e provedores locais restaurassem as conexões. Questionadas pela Reuters, as companhias disseram que estavam trabalhando para recompor as linhas.
Horas após o golpe, a Casa Branca suspendeu um pacote bilionário de ajuda ao país da África Oriental e o Banco Mundial interrompeu sua assistência econômica, dizendo que um acordo para perdoar dezenas de bilhões de dólares de dívida externa estava em risco.
Dias depois, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, exortou Burhan a iniciar um diálogo para restaurar a transição democrática. As conversas foram seguidas de libertação dos ministros presos.
Os militares tentaram justificar o golpe com o receio de uma guerra civil, sem conseguir amealhar apoio de grande parte da população. Semanas antes do golpe, sudaneses foram às ruas para pedir que a passagem do poder dos militares para os civis fosse acelerada, em atos impulsionados por uma tentativa anterior e fracassada de tomada de poder.