Privacidade é sempre um assunto polêmico. Dessa vez, documentos do FBI divulgados nesta semana revelam o que aplicativos mensageiros podem expor sobre você. Mesmo com a criptografia em dia, existe uma “margem” de privacidade que permite que agências de segurança coletem certas informações e dados. Na lista estão o WhatsApp (do Meta — antigo Facebook), Telegram, iMessage da Apple e até o WeChat — app de mensagens popular na China.
A Property of the People, organização sem fins lucrativos dedicada à transparência governamental, recebeu o documento por meio de uma solicitação da Lei de Liberdade de Informação e o compartilhou com a revista Rolling Stone.
Para começar, o documento divulga que essas informações acessadas nos apps mensageiros são apenas para utilização dentro da lei. Os dados podem ser coletados pelo FBI (Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos) mediante um mandado ou intimação, segundo a revista Rolling Stone.
Mas a questão levanta polêmica, e até dúvidas, entre os usuários. Isso porque o documento abre margem de acesso de “terceiros” em informações ditas confidenciais nos populares apps —utilizados para a troca de mensagens pessoais e profissionais. Inclusive, algumas das grandes empresas que aparecem na lista pregam a importância da privacidade.
Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, citou ter uma “visão focada na privacidade” construída em torno do WhatsApp, quando falou sobre seus planos para o app no site do The New York Times.
Já a Apple aparece listada com o iMessage. E precisamos lembrar que Tim Cook, presidente-executivo da empresa, disse em entrevista para a revista Time, que a privacidade é um “direito humano básico” e que a Apple acredita em “dar ao usuário transparência e controle”.
Mas o que mostra o documento?
O documento de “Acesso Legal”, datado de 7 de janeiro de 2021, pode ser encontrado no site da Property of the People. Preparado em conjunto pelo Departamento de Ciência e Tecnologia e Divisão de Tecnologia Operacional, o registro oferece uma janela para o FBI obter legalmente grandes quantidades de dados dos populares aplicativos de mensagens, utilizados por usuários de todo o mundo.
A introdução diz o seguinte:
“A partir de novembro de 2020, a capacidade do FBI de acessar legalmente o conteúdo seguro nos principais aplicativos de mensagens está descrita abaixo, incluindo detalhes sobre as informações acessíveis, com base no processo legal aplicável. Os dados fornecidos pelas empresas listadas abaixo, com exceção do WhatsApp, são na verdade logs de dados que são fornecidos às autoridades, não em tempo real, e podem afetar as investigações devido a atrasos na entrega” (tradução livre da versão em inglês).
Logo abaixo da descrição estão listados nove apps: iMassage, Line, Signal, Telegram, Threema, Viber, WeChat, WhatsApp e Wickr, cada informação que podem ser cedidas ao FBI.
O que é liberado pelo WhatsApp?
Vale lembrar que não são citadas questões de segurança a ciberataques externos ou de criptografia do app, apenas acesso para uso legal. No entanto, mesmo sem o FBI ter a capacidade de solicitar legalmente o conteúdo exato da mensagem do WhatsApp, os dados fornecidos para a aplicação da lei, conforme o documento, capturam quais usuários (e quando) eles conversam entre si, e quais outros usuários eles têm em sua lista de contatos.
Há o acesso ao catálogo de contatos de um usuário-alvo (da investigação), assim como de outros usuários do WhatsApp que tenham o indivíduo-alvo entre seus contatos, de acordo com o FBI. O tempo de envio dessa informação é a cada 15 minutos, com dados de fonte e destino de cada mensagem.
Privacidade em risco?
Segundo a Rolling Stone, especialistas jurídicos e tecnólogos analisaram o documento do FBI e comentaram sobre as preocupações em relação ao acesso de dados. À publicação, eles dizem que é raro obter informações tão detalhadas, do ponto de vista do governo, por meio da aplicação da lei, pelos serviços de mensagens.
No entanto, pensando principalmente em profissionais que precisam manter suas conversas realmente privadas, ou anônimas, como jornalistas e advogados, a entrega desses dados pode ter consequências impactantes.
“O WhatsApp oferecer todas essas informações é devastador para um repórter que se comunica com uma fonte confidencial”, disse Daniel Kahn Gillmor, um tecnólogo sênior da equipe da ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis) para a Rolling Stone.
Apple também em jogo
O iMessage, app mensageiro da Apple, aparece como “limitado” para o acesso ao conteúdo de mensagens. No entanto, mediante um mandato, ele pode enviar os backups do dispositivo de um “usuário-alvo” da investigação. Se o usuário-alvo usar iCloud, as chaves de encriptação devem ser também providenciadas.
Um porta-voz da Apple se recusou a comentar sobre o documento à revista Rolling Stone. Ao invés de explicar o ocorrido, ele encaminhou a Revista às diretrizes legais da Apple, que descreve quais dados a empresa entrega às autoridades sob certas circunstâncias.