Faça você mesmo: por que a Apple liberar reparo de iPhone em casa é vitória

Após anos com uma política de controle rígido sobre o reparo de seus produtos, a Apple anunciou nesta semana um programa que vai permitir que os clientes consertem seus próprios iPhones em casa. O Self Service Repair será lançado no início de 2022 nos Estados Unidos; ainda não há data prevista para o Brasil.

O anúncio foi considerado uma vitória pelos defensores dos direitos dos consumidores nos EUA, que lutam no país para institucionalizar o “direito ao reparo” — ou seja, a premissa de que o consumidor pode fazer o que quiser com o produto que comprou, inclusive repará-lo por conta própria, sem ser punido com a perda da garantia ou outras restrições.

Defensores do direito ao reparo também argumentam que as empresas devem facilitar a vida do consumidor que deseja consertar ou até prolongar a vida útil dos seus produtos, trocando peças antigas por mais novas, por exemplo, combatendo a obsolescência programada e reduzindo a produção de lixo eletrônico no mundo.

Atualmente, se você precisar consertar seu iPhone ou outro produto da Apple, precisa levá-lo até uma loja da empresa e aguardar enquanto ela redireciona a demanda para uma de suas assistências técnicas credenciadas. O custo do reparo costuma ser mais alto do que se fosse realizado numa oficina não-oficial, que, por sua vez, pode usar componentes e ferramentas não homologadas também.

O argumento da Apple é de que seria perigoso deixar as pessoas consertarem seus aparelhos, pois poderiam causar danos maiores ao dispositivo e até se machucar —o que poderia levar a processos e outros problemas judiciais. Agora, a empresa diz que o programa “é a próxima etapa no aumento do acesso dos clientes a peças, ferramentas e manuais genuínos da Apple”.

A iFixit, empresa que oferece guias de conserto de diversos eletrônicos, comemorou no Twitter: “Nunca pensamos que esse dia chegaria”. E fez uma piada com o nome do atual programa de auxílio técnico da Apple (Genius Bar): “Há algumas pegadinhas, mas ficamos emocionados ao ver a Apple admitir o que sempre soubemos: qualquer pessoa é suficientemente ‘Genius‘ para consertar um iPhone”.

A EFF (Electronic Frontier Foundation), uma das principais organizações de defesa do consumidor nos EUA, também comemorou, mas com menos entusiasmo. “É importante que o programa da Apple, ou qualquer programa, não venha com restrições que o tornem extremamente difícil ou muito caro para uma pessoa normal usar”, disse o grupo em nota.

Indústria do conserto

Além de restringir o acesso do consumidor a reparos caros, a política da Apple — e de muitas outras fabricantes nos EUA e no mundo — de fato punia consumidores que tentassem desafiá-la.

Recentemente, por exemplo, a iFixit, empresa que oferece guias de conserto de diversos eletrônicos, descobriu que se você trocasse a tela do seu iPhone 13 por conta própria ou numa assistência não autorizada, o celular bloqueava o acesso ao Face ID, o sistema de desbloqueio por reconhecimento facial da empresa.

Não foi a primeira vez. Em agosto, uma reportagem do jornal The Washington Post revelou que o reparo de um MacBook podia custar até US$ 845 a mais se fosse feito numa assistência técnica autorizada em vez de uma oficina independente.

Em grande parte, a diferença de preço se justifica pelo método de reparo: a Apple tende a jogar fora grandes porções do produto danificado em vez de substituir apenas os componentes e chips que realmente precisam ser trocados.

A Apple também disse ao jornal que o seu serviço de reparo é mais caro porque conta com técnicos treinados e que a troca completa da placa-mãe é uma medida mais “segura” do que trocar chips individualmente.

Por que agora?

Sobre o novo programa, algumas questões ainda estão em aberto. Por exemplo: um reparo feito em casa anularia a garantia de fábrica do iPhone? Será oferecida tecnologia para refazer a vedação (contra água e poeira) da tela? Os preços dos componentes serão os mesmos praticados para as assistências? Será que vai compensar o risco?

“Imagino que a Apple não permitirá a qualquer pessoa simplesmente acessar a loja online e comprar qualquer componente de reparo que ela quiser, em qualquer quantidade”, diz Guilherme Rambo, colunista de Tilt. “Como o programa é voltado ao consumidor final que deseja consertar seu próprio dispositivo, a Apple provavelmente colocará algumas restrições no serviço para impedir a compra de componentes por pessoas que desejam trabalhar fornecendo serviços de reparo informalmente.”

A Apple diz que vai divulgar mais detalhes sobre o programa quando o lançamento estiver mais próximo, em 2022. Mas por que anunciá-lo agora? Segundo uma reportagem do site The Verge, pressão de acionistas pode ser uma explicação.

Em setembro, um grupo de acionistas liderado pela Green Century, uma gestora de fundos de investimento com baixo impacto ambiental, entregou uma resolução à Apple exigindo que a empresa reavaliasse sua posição em relação ao direito ao reparo.

Os acionistas ameaçaram ir à SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA, órgão que regula o mercado financeiro) se a Apple não respondesse. O prazo para uma resposta acabava na última quarta-feira (17), dia em que o “Self Service Repair” foi anunciado.

Um porta-voz da Apple, Nick Leahy, disse ao The Verge que o programa “está em desenvolvimento há mais de um ano”, e não confirmou se o anúncio foi influenciada pela pressão dos acionistas. “Definitivamente não é coincidência”, disse Annalisa Tarizzo, membro do conselho da Green Century.

Além disso, o debate pelo direito ao reparo já virou projeto de lei em discussão em pelo menos 12 estados norte-americanos. Para Nathan Proctor, diretor da PIRG (Public Interest Research Groups, uma federação de organizações sem fins lucrativos dos EUA e do Canadá), “a pressão combinada de consumidores, reguladores e acionistas mudou o pensamento da Apple”, disse em nota.


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