“Percebi que tinha exagerado na boca quando me vi num vídeo. Eu falava e a boca quase não mexia”, conta a vendedora Mariana Soares. “Eu sei que fui influenciada por filtros de Instagram e por famosas que via na internet. Mas na vida real não fica do mesmo jeito, né?”
Ela conta que, desde que não gostou do que viu na gravação, decidiu esperar o excesso de ácido hialurônico –produto utilizado para dar volume aos lábios– ser reabsorvido pelo organismo. “Não acho que nunca mais vou fazer preenchimento labial, mas vou pegar mais leve das próximas vezes”, diz.
O psiquiatra Adilon Harley Machado explica que as redes sociais reforçam um padrão estético a ser seguido que é associado ao sucesso. “Existe uma pressão que faz as pessoas se compararem umas com as outras. É natural do ser humano querer para si aquilo que é socialmente será bem visto”, observa.
“Nesse contexto, as pessoas encontram um falso conforto, a ponto de deixarem de se reconhecer nas suas imperfeições, que só são imperfeições aos olhos desses padrões, e começam a achar que aquelas características seriam importantes para se sentirem mais bonitas e desejadas.”
Além de insatisfação e ansiedade que uma eterna busca pela perfeição provoca, o psiquiatra ressalta que o exagero de procedimentos estéticos pode ser sinal de transtorno dismórfico corporal, também chamado de dismorfofobia.
O transtorno é caracterizado pela preocupação excessiva que uma pessoa pode desenvolver em relação à própria aparência. “A imagem que ela vê representada no espelho é sempre algo que causa um desconforto muito grande”, afirma.
O dermatologista Luis Fernando Tovo conta que casos de dismorfofobia ficam evidentes no consultório quando um paciente nunca fica satisfeito com os resultados dos procedimentos estéticos.
“No preenchimento labial, por exemplo, a pessoa atinge um ideal que fica harmônico para ela, mas mesmo assim ela quer mais. O profissional precisa ter um bom senso crítico para não entrar na onda do paciente”, adverte.
Tovo revela que o número de procedimentos estéticos aumentou muito durante a pandemia da Covid-19, especialmente em pacientes homens. “Eles começaram a reparar mais no próprio rosto de tanto ficar em reuniões virtuais.”
No entanto, lembra o dermatologista, querer melhorar algum aspecto que incomoda não é algo negativo.
“Hoje existem técnicas que são de restauração e não apenas de rejuvenescimento. Eu não gosto do termo rejuvenescimento. Atualmente a expectativa de vida é muito alta, então assim como cuidamos da nossa saúde internamente, evitando o consumo de alimentos que fazem mal e hábitos como o tabagismo, também é interessante cuidar do lado de fora”, afirma.
O cirurgião plástico Luiz Carlos Ishida, coordenador do grupo de rinoplastias e rinologia da disciplina de cirurgia plástica da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), destaca outro lado das fotos tiradas com celular, que é a distorção que elas provocam.
“Ao bater um selfie, a câmera fica muito próxima do rosto e isso aumenta o nariz. Essa alteração já levou várias pessoas a procurar cirurgia plástica, muitas vezes sem necessidade”, afirma.
Ishida ressalta que é importante o cirurgião plástico saber observar durante a consulta se as expectativas do paciente condizem com o resultado que o procedimento pode oferecer de forma segura e saudável.
“Uma pessoa com dismorfofobia vai continuar vendo defeito mesmo depois de uma cirurgia bem-sucedida. Já vi paciente dizer que as fotos do pós-cirúrgico, que mostravam o nariz bonito, estavam erradas, que o certo era o que ela estava vendo”, diz.
Um comportamento comum desses pacientes é tentar convencer outras pessoas, além do próprio médico, de que aquele defeito existe.
“Já atendi pessoas que sabem mexer em Photoshop e vieram para a consulta com uma simulação que eles fizeram do próprio nariz. Aí, em alguns casos, a gente tem que explicar que não dá para obter aquele resultado com cirurgia”, relata Ishida. “Isso ainda é medicina.”
O psiquiatra Adilon Harley Machado conta que a dismorfofobia pode estar dentro dos transtornos obsessivos-compulsivos (TOC). “É possível que o paciente esteja desenvolvendo um TOC que está associado à aparência e, para se sentir mais aliviado, começa a fazer procedimentos estéticos.”
A base do tratamento, diz Machado, é a psicoterapia. “As sessões periódicas vão ajudar o paciente a lidar melhor com suas angústias. Mas algumas vezes, a depender do grau de disfuncionalidade que a pessoa está enfrentando, é preciso fazer tratamento medicamento psiquiátrico”, afirma.
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