Grande parte dos trabalhadores americanos cuja carreira foi afetada pela automação nas últimas décadas eram homens que trabalhavam na indústria e que tinham pouca instrução.
Mas o novo tipo de automação – sistemas de inteligência artificial (IA) chamados grandes modelos de linguagem, como o ChatGPT e o Google Bard – está mudando isso. Essas ferramentas podem processar e sintetizar informações rapidamente, gerando novos conteúdos.
Na atualidade, os empregos mais expostos à automação são os de escritório – aqueles que exigem mais habilidades cognitivas, criatividade e níveis elevados de educação. De acordo com diversas pesquisas, é mais provável que os trabalhadores afetados sejam aqueles que são bem remunerados, com uma ligeira propensão a ser mulheres.
Erik Brynjolfsson, professor do Instituto de Inteligência Artificial Centrada em Humanos da Universidade Stanford, que havia previsto que as habilidades criativas e tecnológicas isolariam as pessoas dos efeitos da automação, declarou: “Surpreendeu a maioria das pessoas, inclusive a mim. Para ser sincero, tínhamos uma hierarquia de coisas que a tecnologia poderia fazer e nos sentíamos confortáveis ao dizer que funções como o trabalho criativo, o trabalho especializado e a inteligência emocional seriam dificilmente replicados por máquinas. Agora, tudo isso foi posto à prova.”
Uma série de novas pesquisas analisou as tarefas cumpridas pelos trabalhadores americanos por meio do banco de dados O*Net, do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos, e gerou hipóteses sobre quais delas os grandes modelos de linguagem poderiam executar.
Os resultados mostraram que esses modelos poderiam ajudar significativamente a fazer tarefas de um quinto a um quarto das ocupações. Segundo as análises feitas por instituições, incluindo a do Centro de Pesquisas Pew e a do Goldman Sachs na maioria dos empregos, os modelos poderiam cumprir algumas das tarefas.
Pamela Mishkin e Tyna Eloundou, pesquisadoras da OpenAI, companhia e laboratório de pesquisa por trás do ChatGPT, afirmaram que, por enquanto, os modelos ainda produzem informações incorretas em algumas ocasiões e são mais propensos a ajudar os trabalhadores em vez de substituí-los. Mishkin e Eloundou fizeram um estudo semelhante, no qual analisaram 19.265 tarefas efetuadas em 923 empregos, e descobriram que os grandes modelos de linguagem poderiam executar parte das tarefas que 80 por cento dos trabalhadores americanos cumprem.
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Elas também encontraram motivos pelos quais alguns trabalhadores podem temer ser substituídos pelos grandes modelos de linguagem, em consonância com o que Sam Altman, CEO da OpenAI, disse à revista “The Atlantic” no mês passado: “Os empregos vão definitivamente desaparecer, ponto-final.”
Os pesquisadores solicitaram a um modelo avançado do ChatGPT que analisasse os dados do O*Net e determinasse quais tarefas os grandes modelos de linguagem poderiam executar. Ele descobriu que 86 empregos estavam completamente suscetíveis (o que significa que a ferramenta poderia efetuar todas as tarefas).
Os pesquisadores humanos identificaram 15 empregos nessa situação. Tanto os humanos quanto a IA concordaram que o trabalho mais vulnerável é o de matemático.
A análise revelou que apenas quatro por cento dos empregos não têm tarefas que possam ser cumpridas com a ajuda da tecnologia, incluindo atletas, lavadores de pratos, ajudantes de carpinteiros, instaladores de telhados ou pintores. Mike Bidwell, CEO da Neighborly, empresa de serviços domésticos, observou que, mesmo assim, os trabalhadores manuais poderiam usar a IA para certas tarefas, como agendamento, atendimento ao cliente e otimização de rotas.
Embora a OpenAI tenha interesse comercial em promover sua tecnologia como um benefício para os trabalhadores, outros pesquisadores afirmaram que existem capacidades exclusivamente humanas que (ainda) não podem ser automatizadas, como habilidades sociais, trabalho em equipe, profissões de cuidado e trabalhos manuais.
Brynjolfsson afirmou: “No curto prazo, os humanos não ficarão sem ter o que fazer. Mas essas ocupações são diferentes: aprender a fazer as perguntas certas, interagir de verdade com as pessoas e executar trabalhos físicos que requerem habilidade.”
Os pesquisadores dizem que, por enquanto, os grandes modelos de linguagem provavelmente ajudarão muita gente a ser mais produtiva em seu emprego atual, como se estivessem dando aos trabalhadores de escritório, incluindo os de nível básico, um chefe pessoal ou um assistente de pesquisa (embora isso possa representar problemas para os assistentes humanos).
A versão do ChatGPT aberta ao público apresenta riscos para os trabalhadores: comete erros com frequência, pode refletir preconceitos humanos e não é segura a tal ponto que as empresas lhe confiem informações confidenciais. As empresas que a utilizam contornam esses obstáculos com ferramentas que aplicam sua tecnologia em um domínio fechado (o que significa que treinam o modelo apenas com determinado conteúdo e mantêm a privacidade de qualquer entrada).
A Aquent Talent, empresa de recrutamento, usa uma versão empresarial do Bard. Em geral, os humanos revisam o currículo e o portfólio dos trabalhadores para encontrar o candidato certo para uma vaga, mas a ferramenta pode fazer isso de maneira muito mais eficiente. No entanto, seu trabalho ainda requer uma auditoria humana, especialmente na contratação, por causa dos preconceitos humanos incorporados, apontou Rohshann Pilla, presidente da Aquent Talent.
A Harvey, financiada pela OpenAI, é uma startup que vende uma ferramenta semelhante para escritórios de advocacia. Os principais parceiros a usam para elaboração de estratégias, como propor dez perguntas a fazer em um depoimento ou resumir como o escritório negociou acordos semelhantes.
Winston Weinberg, um dos fundadores da Harvey, explicou: “Não se trata de ‘aqui está o conselho que eu daria ao cliente’, mas sim de pensar: ‘Como posso filtrar essa informação rapidamente para que ela possa chegar ao nível do conselho?’
Ainda é necessário alguém para tomar a decisão.” Ele acrescentou que a ferramenta é especialmente útil para assistentes ou associados, que a utilizam para redigir rascunhos iniciais, resumir uma declaração financeira ou para aprender, formulando perguntas como: para que serve esse tipo de contrato e por que foi escrito dessa maneira? “Agora, de repente, eles têm um assistente. As pessoas vão poder desempenhar mais depressa um serviço de nível superior em sua carreira.”
Outras pessoas que estudam como os locais de trabalho usam grandes modelos de linguagem encontraram um padrão semelhante: eles ajudam mais os funcionários de níveis mais baixos. Um estudo sobre agentes de atendimento ao cliente efetuado por Brynjolfsson e seus colegas descobriu que o uso de IA aumentou a produtividade geral em 14 por cento e em 35 por cento para os trabalhadores menos qualificados, que progrediram mais rapidamente na curva de aprendizado com sua ajuda.
Robert Seamans, da Escola de Negócios Stern da Universidade de Nova York, coautor de um artigo que descobriu que os trabalhadores mais expostos aos grandes modelos de linguagem são os operadores de telemarketing e alguns professores, afirmou: “A ferramenta diminui a lacuna entre os trabalhadores de nível mais baixo e os de alto nível.”
Pesquisas mostraram que a última onda de automação, que afetou os empregos industriais, aumentou a desigualdade de renda ao privar os trabalhadores sem nível universitário de um emprego bem remunerado.
Talvez a IA pudesse fazer isso novamente – por exemplo, se os gerentes recorressem aos grandes modelos de linguagem para executar o trabalho dos subordinados, aumentando o salário dos executivos e tirando o emprego daqueles com menos experiência.
Mas alguns acadêmicos acreditam que os grandes modelos de linguagem podem alcançar o oposto: reduzir a desigualdade dos trabalhadores mais bem remunerados em relação aos demais. “Minha esperança é que isso realmente permita que gente com menor grau de instrução tenha mais oportunidades, reduzindo as barreiras de entrada em empregos de elite bem remunerados”, disse David Autor, especialista em economia do trabalho do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
c. 2023 The New York Times Company
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