Cambaleando pelos cômodos de uma casa pouco iluminada, traços de uma mulher em desespero surgem na tela. Ensanguentada e trêmula, ela percorre pelos ambientes, sobe as escadas como quem não possui tanto controle sobre seu corpo e busca amparo para a latejante ferida aberta que jorra sangue. A intensa cena de abertura logo nos mostra o rosto de todo esse tormento. Sofia Vergara surge em tela como Griselda Blanco, a matriarca do tráfico de drogas, nascida de uma necessidade de sobrevivência, mas que permaneceu em seu tortuoso caminho seduzida pela frivolidade do poder e do dinheiro fácil.
E embora Vergara nada se assemelhe à Griselda, a atriz faz de sua nova minissérie da Netflix a oportunidade perfeita para mostrar uma faceta artística diferente. Com uma performance madura, levemente internalizada e por vezes soturna, a estrela de Modern Family prova a grandeza de seu talento, ao dominar os seis episódios da produção com voracidade e vigor. Assumindo para si a persona da Poderosa Chefona, ela transforma ‘Griselda’ em uma vitrine para a extensão de suas habilidades performáticas. Exalando poder, luxúria e uma frieza surpreendente, Vergara traz a matriarca do crime de volta à vida com precisão. E ainda que o roteiro flerte demais com o formato dramalhão latino, Sofia nunca perde seu tino, seu equilíbrio.
Ao longo de seis episódios, ‘Griselda’ convida a audiência para uma experiência à la ‘Narcos’. Explorando a sensibilidade feminina de sua protagonista, a série biográfica se concentra em fazer um paralelo dentro do próprio universo do crime, salientando o quanto a diferença de gênero se tornou uma barreira em sua trajetória nefasta. De certa maneira, a produção até parece aplaudir o pioneirismo criminoso de Blanco, flertando levemente com aquela agenda que visa transformar todo tipo de entretenimento em uma palestrinha. Mas antes que pudesse se perder dentro disso e se desviar do verdadeiro cerne da questão, os criadores Eric Newman, Ingrid Escajeda e Doug Miri redirecionam o foco de seu roteiro, a fim de contar uma boa história que esteja acima de qualquer discurso enfático oriundo de alguma cartela política.
E durante essa jornada, conhecemos Griselda para além de seus crimes, sem nos desvirtuarmos da inconveniente verdade de que ela foi uma mulher tão deplorável quanto qualquer outro mafioso. Carregando o sangue de seus próprios filhos em suas mãos – vítimas do envolvimento com o trágico -, ela é apresentada como uma sobrevivente de uma relacionamento abusivo, que transformou suas cicatrizes ainda abertas em uma história de superação às avessas. E no antro de toda essa complexidade surge uma minissérie envolvente, dinâmica e ágil.
Sempre manchada por gotas de sangue de traficantes e outros membros dessa poderosa indústria criminosa, Griselda é uma combinação entre o drama com estética e formato latino e a ação norte-americana. Apresentando Miami como o antro de venda e consumo de drogas, a original Netflix traz um recorte interessante, tanto da história colombiana, quanto estadunidense. E embora os seis episódios descartem alguns momentos importantes da vida e da “carreira” de Griselda Blanco, a essência de quem ela foi permanece ali do começo ao fim. E em meio a algumas lacunas que deixam dúvidas na audiência, Newman e os demais criadores conseguem fazer de sua série biográfica um excelente entretenimento para os fãs de true crime.
Com aclamada atriz desaparecendo em sua caracterização dessa matriarca do crime organizado, a original Netflix é feita para os amantes da sanguinolência, que não desviam seus olhares da brutalidade avassaladora que envolve o universo do tráfico de drogas. De ritmo rápido e envolvente o bastante para garantir uma rápida maratona no sofá, Griselda é também Sofia Vergara em sua melhor forma, pronta para conquistar Hollywood por uma outra ótica, dessa vez menos cômica, mas muito mais visceral e caótica.