Os resultados das eleições primárias na Argentina reacenderam a discussão sobre as vantagens de adotar o dólar americano como moeda oficial de um país. No caso dos “hermanos”, sua economia já convive com uma dolarização informal, pois é comum aceitarem a moeda americana para trocas comerciais internas a fim de evitar o instável e desvalorizado peso argentino.
Para o candidato à presidência argentina, o ultradireitista Javier Milei, essa é a única forma de tirar o país de uma crise econômica profunda que se agrava há décadas. Só no último ano, a inflação argentina chegou a 115,6%!
É de senso comum entre os economistas que a adoção do dólar como moeda oficial pelo governo poderia controlar a inflação no país. O que nos levar a imaginar: será que essa é uma boa estratégia para diminuir a inflação no Brasil? Veja o que descobrimos!
Por que o Brasil não adota o dólar como moeda?
Adotar o dólar como moeda oficial do Brasil implica em diversos aspectos da nossa economia e autonomia do nosso governo. Por exemplo, haveria limitações significativas sobre a influência da política econômica do país.
Isso ocorreria porque a política monetária – controle da oferta de moeda e taxa de juros – e a política cambial – controle da taxa de câmbio – ficam amplamente fora do controle direto das autoridades monetárias locais. No dia a dia, os cidadãos brasileiros poderiam sentir esses impactos nos seguintes quadros:
1) Falta de autonomia na política monetária
A perda da capacidade de ajustar a oferta de moeda e a taxa de juros de acordo com as necessidades econômicas do país é uma das limitações mais notáveis na dolarização.
O Banco Central do Brasil perderia sua função com a dolarização.Fonte: Getty Images
Em outras palavras, as autoridades brasileiras não poderiam implementar medidas de estímulo ou aperto monetário para lidar com questões como inflação alta, desemprego ou recessão.
2) Vulnerabilidade a políticas dos EUA
As decisões de política monetária tomadas pelo Federal Reserve (o banco central dos EUA) teriam um impacto direto na economia do Brasil. Por exemplo, se os EUA decidirem elevar as taxas de juros, isso poderá resultar em pressões similares sobre as taxas de juros do país adotante, afetando a capacidade de crédito e os custos de empréstimos.
Para mitigar a perda de soberania monetária, o Brasil poderia explorar opções como a adoção de políticas fiscais sólidas e negociação de acordos com os EUA para mitigar possíveis impactos.
3) Incapacidade de controlar a taxa de câmbio
A adoção do dólar implica em fixar a taxa de câmbio com o dólar americano. Ou seja, o país não pode usar a taxa de câmbio como ferramenta para melhorar a competitividade de suas exportações ou controlar o fluxo de capital estrangeiro. Afinal, mudanças na taxa de câmbio não estão mais ao alcance das autoridades locais.
A taxa de câmbio é o valor relativo entre duas moedas diferentes.Fonte: Getty Images
4) Impactos na inflação e nos preços internos
Se os Estados Unidos experimentarem inflação, essa inflação também será “importada” para as terras tupiniquins. Isso poderia impactar a estabilidade de preços no país, afetando o nosso poder de compra.
5) Incapacidade de emitir moeda
A adoção do dólar eliminaria a capacidade do Brasil de emitir sua própria moeda. Isso pode afetar a flexibilidade do governo para financiar suas operações e programas, pois não pode simplesmente imprimir dinheiro para cobrir déficits orçamentários.
É preciso ter grandes reservas em dinheiro antes de adotar o dólar americano como moeda oficial.Fonte: Getty Images
6) Dependência de importações e exportações
A fixação à moeda de um único país (os EUA, no caso do dólar) pode influenciar os padrões de comércio do Brasil. A dependência de importações e flutuações nas taxas de câmbio pode ter impactos diretos sobre a disponibilidade de produtos no mercado interno.
A competitividade das exportações brasileiras poderia ser prejudicada, impactando negativamente a balança comercial e a indústria local, especialmente em setores sensíveis à variação cambial.
Cenários intermediários, como a dolarização parcial ou a coexistência com o real, poderiam preservar algum grau de autonomia enquanto aproveitam os benefícios da estabilidade do dólar.
O que aconteceria se o dólar fosse a moeda do país?
Se o Brasil passasse pelo processo de dolarização, adoção do dólar como moeda oficial do país, algumas consequências poderiam ser observadas no dia a dia dos cidadãos, sendo elas:
- A volatilidade cambial seria reduzida e isso poderia facilitar transações comerciais internacionais e atrair investimentos estrangeiros;
- Empresas e o governo teriam acesso mais direto ao crédito internacional, pois o dólar é amplamente aceito nos mercados financeiros globais;
- Atração de investimentos devido à tendência da taxas de juros do Brasil a acompanhar as taxas dos EUA;
- Como o Brasil importaria a inflação dos Estados Unidos, as flutuações nos preços internacionais de commodities e produtos importados afetariam os preços domésticos, levando a mudanças no custo de vida e no poder de compra;
- A adoção do dólar poderia agravar a desigualdade social, já que o país teria menos instrumentos para direcionar recursos para projetos de desenvolvimento social;
- Nosso país não teria controle sobre sua própria moeda e não poderia ajustar sua política monetária de forma independente para se proteger contra crises globais.
Dado o atual contexto tecnológico em que vivemos, a adoção do dólar poderia ser facilitada pelo uso crescente de transações digitais e sistemas financeiros mais integrados.
A digitalização poderia reduzir custos de transação e facilitar o uso da moeda norte-americana em diferentes plataformas, mas desafios regulatórios e de infraestrutura também precisariam ser enfrentados.
Equador apostou na adoção do dólar para reestabelecer sua economia.Fonte: Getty Images
A experiência de outros países que adotaram o dólar, como o Equador, pode fornecer lições valiosas para o Brasil e a Argentina.
Para lidar com a perda de autonomia monetária e dependência das políticas dos EUA, eles focaram em políticas fiscais responsáveis, acumulação de reservas internacionais e adoção de reformas estruturais para diversificar suas economias e reduzir a vulnerabilidade.
O economista e diretor do Ibmec Reginaldo Nogueira reforça ao G1 o que é de extrema importância para uma dolarização da economia: a transição cambial deve ser muito bem planejada para que as reservas em dinheiro do governo e da população não se esgotem rapidamente.
Quais países tem o dólar como moeda oficial?
Conheça os países que embarcaram no desafio de adotar o dólar como moeda oficial, seja de modo parcial ou completa:
- Equador: adotou oficialmente o dólar em 2000 como resposta a uma crise econômica;
- El Salvador: o primeiro país a adotar o Bitcoin como moeda oficial, juntamente com o dólar dos EUA, em setembro de 2021;
- Panamá: o dólar americano é amplamente aceito, embora o balboa seja a moeda oficial do Panamá;
- Timor-Leste: o dólar dos Estados Unidos é usado ao lado da moeda oficial do país, o centavo.
- Zimbábue: a dolarização no país ocorreu após a hiperinflação ter tornado sua moeda local praticamente inútil.
- Zona do Canal do Panamá: também utiliza o dólar americano para transações econômicas.
Em resumo, adotar o dólar pode trazer algumas vantagens, como maior estabilidade cambial e acesso a mercados financeiros internacionais. Contudo, é preciso encarar uma série limitações na influenciar sua própria política econômica garantir que necessidades da sua população ainda sejam atendidas nesse complexo processo.
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