As pessoas têm dificuldade de dizer ‘não’, por medo de criar conflito. Os influenciadores podem usar esse poder para o bem ou para o mal.
Quando era estudante universitária em Nova York, nos Estados Unidos, Vanessa Bohns foi encarregada da temida tarefa de coletar dados de pesquisa na Estação Ferroviária da Pensilvânia, como parte de um projeto de pesquisa acadêmica.
Cada vez que se aproximava de uma pessoa, ela esperava ouvir um suspiro de exasperação ou o murmúrio de um insulto. Mas raramente as reações eram ruins; muito mais pessoas estavam dispostas a responder aos questionários do que ela esperava.
Seria possível que a maioria de nós subestimasse a disposição dos demais para atender aos nossos pedidos?
Ao longo da década seguinte, Bohns realizou diversos estudos que confirmaram esse fato: em muitas situações diferentes, as pessoas são muito mais propensas a cooperar que imaginamos.
À primeira vista, seus resultados pareciam fornecer uma visão otimista e agradável da natureza humana. “Começou como algo positivo – não é ótimo que as pessoas sejam mais propensas a ajudar você do que pensamos?”, relata ela.
Mas, desde então, Bohns acabou percebendo que seus resultados refletem uma tendência mais ampla de subestimar a influência que as nossas palavras têm sobre os demais, seja pedindo que elas realizem boas ou más ações. Muitas vezes, as pessoas só nos atendem porque acham muito embaraçoso dizer ‘não’, mesmo quando se sentem desconfortáveis com os nossos pedidos.
Essa compreensão pode ajudar a entender como os nossos pedidos poderão afetar os demais – particularmente no ambiente de trabalho – e ajustá-los adequadamente, para respeitar os limites de cada pessoa.
Testando nossa disposição de ajudar
O trabalho de Bohns – que ela agora transformou em um novo livro, intitulado Você tem mais influência do que pensa (em tradução livre do inglês) – baseia-se na pesquisa de Ellen Langer na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, na década de 1970.
Naquele estudo, os participantes tentaram “furar” a fila da fotocopiadora da biblioteca da universidade. Comoé de se esperar, um grande número de pessoas concordou em ter a fila furada se a pessoa que fez o pedido tivesse uma boa desculpa. 94% das pessoas permitiram que o participante passasse à frente se ele dissesse que estava “com pressa” – contra 60% quando a pessoa não forneceu o motivo do seu pedido.
Mas, surpreendentemente, quase o mesmo percentual de pessoas – 93% – permitiu que o participante passasse à frente se ele dissesse que “precisava fazer algumas cópias”, o que, na verdade, não é desculpa nenhuma. O experimento sugeriu que as pessoas não prestam atenção aos detalhes do que os outros dizem e, por isso, podem ser influenciadas por explicações superficiais.
“Desde que se siga um roteiro geral, nós não necessariamente processamos se tudo faz sentido. Nós apenas deixamos acontecer”, afirma Bohns, que agora é professora de comportamento organizacional na Universidade Cornell, nos Estados Unidos.
A pesquisa de Bohns sobre a influência e a complacência começou no final dos anos 2000.
O primeiro experimento tentou reproduzir sua própria experiência na estação ferroviária. Os participantes precisavam abordar estranhos no campus da universidade e pedir a eles que respondessem a uma pesquisa. Tudo o que eles podiam dizer era: “Você pode preencher um questionário?” Para obter 5 respostas, a maioria das pessoas estimava que precisaria pedir a pelo menos 20 pessoas. Na prática, esse número foi de cerca de 10.
Em outro experimento, os participantes saíam do laboratório para pedir a um estranho que andasse com eles até uma academia de ginástica nas proximidades, explicando que eles não conseguiam encontrá-la. Em média, os participantes imaginavam que precisariam abordar cerca de 7 pessoas até que alguém concordasse em servir de acompanhante.
Mas, quando os participantes realizaram a tarefa, eles descobriram que cerca de uma a cada duas pessoas se ofereceram para sair do seu trajeto para ajudar. “Eles pareciam assustados e, às vezes, tinham um pouco de raiva porque precisavam fazer isso”, relembra Bohns. “E retornavam muito antes do esperado para o laboratório.”
Para examinar esse fenômeno em um ambiente natural, entre um grupo mais diverso de participantes que os estudantes universitários, Bohns pediu às pessoas que arrecadassem dinheiro para a Sociedade de Leucemia e Linfoma dos Estados Unidos. Em média, os voluntários previram que precisariam abordar cerca de 210 pessoas para cumprir com a meta de arrecadação de US$ 2.100 a US$ 5 mil (R$ 11,7 mil a R$ 28 mil). Na verdade, eles conseguiram fazer contato com apenas 122 pessoas para atingir seu objetivo.
Como evitar constrangimentos
É fácil compreender por que Bohns e seus colegas ficaram tão animados com esses resultados iniciais. Conhecer a disposição das pessoas para ajudar poderá nos dar mais confiança para administrar projetos profissionais, por exemplo.
Mas, após alguns anos de pesquisa, ela decidiu examinar se podemos também usar nossa influência de forma antiética, sem perceber a facilidade com que outras pessoas seriam influenciadas pelos nossos pedidos, ou como elas se sentiriam desconfortáveis para dizer ‘não’.
Em um experimento, ela forneceu aos participantes livros falsos da biblioteca e pediu que eles abordassem estranhos com o seguinte pedido: “Olá, estou tentando pregar uma peça em alguém, mas ele conhece a minha letra. Você poderia rapidamente escrever ‘veja isso’ nesta página deste livro da biblioteca?”
Bohns suspeitava que muito poucas pessoas concordariam e os participantes compartilhavam do mesmo ceticismo. Mas, como ocorreu com o questionário, essas previsões estavam erradas. Apesar de levantarem algumas objeções, mais da metade das pessoas abordadas pelos participantes concordou em cometer o pequeno ato de vandalismo.
Esse não foi um incidente isolado. Outro dos estudos de Bohns concluiu que as pessoas estavam dispostas a falsificar documentos acadêmicos por simples solicitação de um estranho.
E ela encontrou padrões similares utilizando uma plataforma online, na qual os participantes precisaram examinar suas reações em diversos cenários. Os participantes relataram que se sentiriam mais confortáveis para cometer um ato antiético se alguém pedisse que eles o fizessem. Mas eles frequentemente subestimaram o quanto suas palavras poderiam influenciar as decisões das outras pessoas.
Por que isso acontece?
Bohns suspeita que as pessoas muitas vezes atendem aos nossos pedidos por medo de criar conflito. Para ela, “somos uma espécie social e não queremos fazer coisas que possam causar prejuízos aos nossos relacionamentos”.
Particularmente, podemos recear que, dizendo ‘não’, estamos sugerindo de alguma forma que a outra pessoa é egoísta ou imoral, fazendo com que ela se sinta humilhada – um fenômeno conhecido como “ansiedade da insinuação”.
“Realmente, seria embaraçoso para ambos”, segundo Bohns. “Por isso, podemos sugerir que não nos sentimos confortáveis com alguma coisa, mas é muito mais difícil chegar e dizer ‘não, não vou fazer isso’.”
Esta é a realidade. Quando nos perguntam como prevemos que alguém reagirá a um pedido, nós desconsideramos o seu medo do constrangimento e subentendemos que a outra pessoa seria mais corajosa do que realmente é – o que nos leva a subestimar nosso poder potencial de persuasão dos demais para que ajam contra a sua própria natureza.
Deixar espaço para a recusa
Bohns acredita que a nossa tendência de subestimar a nossa influência é muito importante no ambiente de trabalho. Se você pedir a um colega que lhe faça um favor em prejuízo da sua atenção ao seu próprio trabalho, por exemplo, você pode imaginar que ele pode simplesmente recusar, mas o medo que ele tem de criar constrangimentos poderá fazer com que ele aceite.
É preciso enfatizar que estes são padrões gerais. As diferenças individuais da influência das pessoas e sua percepção desse poder naturalmente dependerão de muitos fatores e do contexto específico da situação.
Nos estudos de Bohns, os participantes quase sempre tinham a mesma posição social. Mas, claramente, a dinâmica de poder desempenha um papel importante. Por definição, pessoas em posição superior deverão ter mais influência sobre as pessoas em posição inferior dentro de uma hierarquia.
É importante notar que a pesquisa de Bohns sugere que essas pessoas podem não compreender como alguém pode se sentir desconfortável para responder ‘não’ aos seus pedidos. Por isso, elas podem acabar pedindo demais aos seus colegas mais jovens, mesmo sem intenção de abusar da sua posição.
Bohns acredita que, em muitas situações, devemos criar oportunidades reais para que as pessoas discordem. Isso pode significar a mudança do meio empregado para fazer nossos pedidos. As pessoas são mais propensas a responder positivamente à sua solicitação se você pedir pessoalmente ou por telefone, enquanto elas poderão se sentir mais confortáveis para negar o seu pedido por email.
É claro que você ainda pode decidir que gostaria de fazer o pedido pessoalmente – o que talvez seja mais educado ou permita que você explique o seu caso com mais detalhes -, mas você poderia pelo menos dar à pessoa o tempo de refletir e responder mais tarde. “Você pode dar à pessoa um pouco mais de espaço para ordenar seus pensamentos”, afirma ela.
Ian MacRae, psicólogo do trabalho e autor do recente livro O sombrio social: o lado mais sombrio do trabalho, da personalidade e das redes sociais (em tradução livre do inglês), afirma que está muito interessado nas pesquisas de Bohns.
Ele concorda que dar espaço para a discordância é fundamental. Para ele, os chefes deverão ter muita cautela para fazer um pedido em público, pois isso dificultará ainda mais para o funcionário dizer ‘não’. “Isso gerará acúmulo de ressentimentos e terá consequências negativas mais tarde.”
E, se você for o funcionário que precisar recusar um pedido, MacRae sugere que você poderá reduzir o desconforto agradecendo ao colega pela oportunidade e fornecendo uma razão construtiva para a sua recusa.
Imagine que o seu chefe tenha surpreendido você com uma tarefa urgente, quase impossível de ser realizada, que causará enorme nível de estresse. “Você poderá dizer que está muito satisfeito por acreditarem que você é capaz de realizar a tarefa e que, no futuro, você ficará feliz em fazê-la, mas que você precisaria ser avisado com ‘X’ dias de antecedência ou ter recursos adicionais para cumpri-la com eficiência”, aconselha MacRae.
“Dessa forma, não será uma rejeição, mas sim uma conversa sobre como a tarefa pode ser realizada”, segundo ele.
Bohns espera conscientizar mais pessoas sobre as formas em que as nossas palavras afetam os demais – e nossa tendência de subestimar a dificuldade de recusa – para que respeitemos com mais facilidade os limites dos demais.
“Se quisermos concordância real, devemos sempre pensar nas formas em que podemos facilitar para que as outras pessoas digam ‘não’.”
A nossa influência muitas vezes pode ser invisível para nós, mas, com um pouco de treino, todos poderemos exercer esse poder com mais compaixão e responsabilidade.
*David Robson é escritor de ciências residente em Londres. O seu próximo livro, O efeito da expectativa: como o seu pensamento pode transformar a sua vida (em tradução livre do inglês) será publicado pela editora britânica Canongate/Henry-Holt no início de 2022. Sua conta no Twitter é @d_a_robson.
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