“Onde já se viu ter preto nesse colégio”. “Preta desgraçada”. Rebeca paralisou quando voltou do intervalo e viu essas palavras, entre outros insultos e ameaças, rabiscadas em seu caderno sem nenhum motivo, no último dia 10 de novembro.
Em desespero, a adolescente de 14 anos, que teve o nome trocado para preservar sua identidade, arrancou as páginas e procurou um canto para chorar. Foi uma amiga que ligou para os pais dela naquele dia, sem saber como contar o que havia acontecido.
A aluna cursa o 9º ano na escola cívico-militar Sebastião Saporski, subordinado à Secretaria Estadual de Educação do Paraná, e localizada no bairro Taboão, nos limites de Curitiba, cidade onde a população negra era de apenas 20% em 2010 segundo o IBGE —no país essa porcentagem é de 56% hoje.
As ofensas racistas geraram comoção no colégio, em que a maioria dos alunos também é branca, e motivaram um ato organizado pelos próprios estudantes no dia seguinte, com apoio da escola. Eles receberam Rebeca nos corredores com aplausos e cartazes, enquanto ela chorava.
“O racismo precisa acabar, diga não ao racismo! Vocês, racistas, está na hora de aprenderem que não se trata ninguém diferente por causa da cor da pele”, diz uma publicação numa página nas redes sociais criada por eles e por adolescentes de outros colégios.
Uma semana depois, porém, veio mais um choque: os escritos “Vou te matar preta desgraçada” e “Não vai ficar assim” voltaram a aparecer no caderno, dessa vez em tom de ameaça. A adolescente parou de ir para a escola, e a família procurou orientação jurídica.
“A família toda está bem ciente da gravidade da situação. Para uma jovem dessa idade é um baque muito grande, ela está extremamente fragilizada, mas está ciente. Ela é negra, conhece as lutas do movimento dela, apesar de ser muito nova”, diz o advogado Lucas Uliano, que cuida do caso.
Nas duas ocasiões, os pais de Rebeca foram à delegacia da região registrar boletins de ocorrência por racismo e ameaça. Segundo Uliano, porém, um inquérito só foi aberto nesta sexta (19), quando o caso foi enviado ao Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente da Polícia Civil (Nucria).
De acordo com o segundo registro, do dia 17, policiais militares chegaram a ir até a sala de aula onde ocorreu o fato e a orientar a turma com relação aos crimes. Depois, eles acompanharam a família e a direção da escola ao distrito policial.
“Os corredores têm câmeras, então solicitamos as imagens ao colégio, mas ainda não entregaram. Com a morosidade, entramos em contato com secretaria de Educação para que intervissem, para garantir que elas não sejam deletadas ou apagadas automaticamente. Não se manifestaram ainda”, afirma o advogado.
A Folha procurou a Polícia Civil e a Secretaria Estadual de Educação do Paraná neste sábado (20), mas não teve resposta.
Nesta sexta, a escola Sebastião Saporski publicou um comunicado dizendo que está tomando todas as medidas cabíveis e que está em contato com os pais de Rebeca e com as polícias. Afirmou ainda que vem orientando os alunos quanto à importância do respeito, da empatia e dos valores.
Logo após o primeiro episódio, a secretaria também disse em nota que foi aberta uma sindicância interna para apurar de quem teria partido “tal atitude lastimável”. “O racismo é intolerável e não é aceito nas escolas do Paraná”, escreveu.
“A direção já realizou uma conversa geral com os estudantes sobre a gravidade do fato e a política de tolerância zero com o racismo. Neste mês, inclusive, professores de Ciências Humanas e Língua Portuguesa estão trabalhando o mês da Consciência Negra como tema de atividades na escola”, completou.
Segundo o advogado da família, Rebeca está recebendo apoio psicológico. Eles ainda estão decidindo se a menina volta à escola nesta segunda (22) ou não.