Bula de Livro: Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar

Li, pela terceira vez, “Lavoura Arcaica”, de Raduan Nassar, e continuo gostando. Na verdade, gosto mais. “Lavoura Arcaica” deve ser lido como foi feito: numa explosão. A força criativa dessa obra prima é atômica, primordial, nasce, cresce e morre tão rapidamente e tão intensamente que vê-la existir exige, do observador, a mesma intensidade. É necessário correr na mesma velocidade, ou até mais rápido, para acompanhar os detalhes dos raios brilhosos que se espalham e se distribuem, para entender e modificar o que se desenvolve e cria.

É visão de Raduan Nassar para a parábola do filho pródigo. Sem ser a curta passagem moral bíblica, mas uma intensa análise das relações entre gerações, seus preconceitos e motivações e, mais importante, a ordem estabelecida por tempo e cultura. Duas coisas, para não esgotar um clássico que é maduro há algum tempo e não demora para encontrar a terceira idade. A primeira: a personagem principal, André, é o homem revoltado, representa o absurdo existencialista. “Eu, o filho torto, a ovelha negra que ninguém confessa.” Absurdo para André é conceber a vida sem ter liberdade. Diante da finitude das coisas, cada momento importa, cada impressão é definitiva, a experiência da vida é a maior herança do humano. Por isso, desfruta da essencialidade do corpo, de sua necessidade fundamental, anímica, sem preocupar-se com as consequências. A segunda: “Estamos sempre indo pra casa”. O livro é o elogio da perfeição cíclica. Tudo gira em torno de uma busca, cuja resultado é voltar à origem. O ser humano tem fome! Fome de todos os tipos e variedades de comida. A mesa farta não significa, ao final da refeição, saciedade. Por mais diferentes que sejam as iguarias, elas não são todas, e nem todos os sabores peculiares e exóticos que existem no mundo. E, ainda, as comidas proibidas não estão presentes na mesa. Essas são as mais cobiçadas. O pai, o provedor, o homem que tem o pão na mesa, não sabe como matar a fome excêntrica. Mas um fato persiste: mesmo ao comer noutras mesas, o faminto volta à casa, volta à fonte de abastecimento original.

O humano de Raduan Nassar é capturado, na ousadia e perfeição de suas palavras, como o anunciador de uma subversão da cultura, mas suas limitações são a memória e os preconceitos dos pais, que só podem ser rompidas com a revolução do comportamento. Contudo, “O gado sempre vai ao poço”.


Livro: Lavoura Arcaica
Autor: Raduan Nassar
Páginas:
200 páginas
Editora: Companhia das Letras
Nota: 10/10


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