Se famílias são marcadas pelo signo do amor, do pesar e da morte, nessa sequência, no vínculo que se vai estabelecendo entre irmãos essa evidência agudiza-se um tanto. Ter partilhado o mesmo ventre ou o mesmo teto durante boa parte da vida se constitui numa experiência que pode, na mesma intensidade, ou revigorar ou conduzir alguém por um inferno sem volta e sem fim, do qual só se escapa muitas vezes à custa de sacrifícios de outra natureza. “Em Todas as Partes” remexe o baú de ossos escondido por trás da aparente felicidade de pessoas que carregam o mesmo sangue e o mesmo sobrenome, mas que não resistem às armadilhas que lhes prepara o destino, sobretudo em circunstâncias que trazem consigo a sombra da indesejada das gentes. O mexicano Pitipol Ybarra pinça essas situações mirando dois irmãos que se reencontram numa quadra infortunada da vida e a partir desse novo momento tentam refazer seus caminhos. Velhas mágoas e novas dores avultam, mas com elas desponta a promessa de uma trajetória menos acidentada. Ou, pelo menos, mais suportável.
As circunstâncias funestas que ligam um filho ao pai ligam-no também à irmã, que tratava de tudo sozinha. O roteiro de Adriana Pelusi dispõe desse trio de personagens valendo-se do recurso fácil de fotografias e imagens aleatórias que passam pela tela, ajudando o público a ter uma ideia de que papel cada um ocupa ali. Fernando volta de Cingapura para o México e reencontra Gabo, a irmã que não via há algum tempo numa das situações que, ironicamente, une muito mais que afasta, talvez por remeter à tal chama da vida que continua a crepitar em horas como essas, ou por isso mesmo. A trilha pegajosa de Héctor Ruiz e María Vertiz cruza as performances de Mauricio Ochmann e Ana Serradilla até o desfecho em passagens cheias de um sarcasmo virulento, como no momento em que Fernando sente-se num museu na casa em que fira criado com a irmã, que devolve enfaticamente, dizendo que fez questão de sempre manter tudo ao gosto do patriarca. Só quem já teve de passar por experiências semelhantes sabe o quão de absurdo ocasiões como essas encerram; da grande inadequação de duas pessoas tão próximas e tão distantes que tornam a dividir o mesmo espaço afloram revelações de parte a parte, e Ochmann e Serradilla desenvolvem juntos atuações afins entre si, competentes em exaltar as diferenças de Fernando para Gabo, e vice-versa, mas, principalmente, o muito que os iguala.
A história de duas almas solitárias que, em sendo outras as vidas, poderiam ser uma só, torna-se menos pesada e o andamento até então bastante arrastado de “Em Todas as Partes” fica mais corrente na virada do segundo para o terceiro ato, quando, depois das dispensáveis cenas que exploram as carências sexuais dos irmãos, aplacadas com parceiros eventuais, desponta no horizonte a liga que irá fundi-los para sempre. O respiro cômico, levado pelo talento de Regina Pavón como Julieta, a caroneira meio paranoica com que os irmãos topam na estrada onde estão para cumprir a promessa que Gabo fizera ao pai, supera o que se esperava num filme que prima pela irregularidade, como se tentasse mesmo tragar a audiência para o centro de um torvelinho de emoções até artificiosas às vezes, mas genuínas sempre, voltando à pasmaceira do início. Exatamente como a vida.
Filme: Em Todas as Partes
Direção: Pitipol Ybarra
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Ação/Aventura/Road movie
Nota: 8/10