Quem acompanha o noticiário sobre China deve ter observado que a buzzword do momento, no país, é “prosperidade coletiva”. Os esforços do governo, os anúncios das empresas privadas, os novos programas de educação…quase tudo toca direta ou indiretamente no compromisso que o país assumiu em fazer as bonanças da China-maravilha chegar até as franjas de sua pirâmide social.
Para nós, brasileiros, ouvir políticos prometendo esforços por “justiça social” pode soar como pura hipocrisia, mas, no caso chinês, há um curioso esforço em combater a pobreza e diminuir a distância entre os super-ricos e os pobres ou mesmo a classe média chinesa, com crescente dificuldade de manter seu padrão de consumo.
Parte desta tarefa já foi cumprida em 2020. Em plena pandemia, o país anunciou ter retirado da miséria os últimos sete milhões de chineses que viviam “abaixo da linha da pobreza”.
Todo este trabalho levou prestigiosos veículos ocidentais a discutir se, afinal, a China decidiu se reencontrar com o marxismo que esteve na base de sua revolução maoísta, em 1949, e parece ter sido deixado no fundo de um baú esquecido no porão, desde 1979, quando Deng Xiaoping iniciou as reformas “capitalistas” do país.
“Mudanças na China: o esforço de Xi Jinping para retornar ao socialismo”. Este é, por exemplo, o título de uma reportagem especial assinada pelo correspondente da BBC em Pequim, em que aborda o projeto chinês para levar mais dinheiro ao bolso de seus cidadãos menos favorecidos.
É possível, porém improvável, que uma compaixão comunista tenha se acendido no coração dos burocratas chineses.
Após anos pregando a ideia de “socialismo com características chinesas”, em que se pratica o centralismo político socialista com o máximo de liberdade econômica para os agentes privados, os burocratas gostariam, agora, que tais “agentes” dessem sua contribuição à sociedade.
As intenções reais por trás deste processo podem ser mais pragmáticas e visariam manter aquecida a economia chinesa, o que, em última análise, objetiva manter a força e a legitimidade do atual governo.
Notemos que, dos anos 80 até 2008, a China cresceu fortemente apoiada em exportações, o que ficou inviável após a crise do subprime americano e, mais difícil ainda, com a guerra comercial que os Estados Unidos impõem ao país.
Bem, daí em diante a economia local cresceu muito apoiada no investimento interno. Mas o dinheiro dos bancos provinciais e de Pequim rareou após duas décadas de gastos massivos. Logo, qual a saída para o crescimento? Aumentar o consumo das famílias. E para que elas o façam é preciso que mais dinheiro chegue a seus bolsos. Se possível, saindo do bolso dos mais ricos, que não vão consumir menos, se ficarem só um pouco menos ricos.
Nos Estados Unidos, por exemplo, calcula-se que 68% do PIB nacional seja consumo. Na China, este indicador está na casa dos 40%.
Se tiver sucesso em seu plano, a China dinamiza a economia interna e encontra uma avenida para crescer por, ao menos, uma década mais, independente das maldades que burocratas de Washington executem contra ela e livre da instabilidade dos mercados internacionais.
A “prosperidade coletiva” tem ainda um componente adicional, o de fomentar a indústria tech e de alto valor agregado no país.
O aumento do consumo interno de soja, café ou qualquer outra commodity pode vir do Brasil, por exemplo. Mas os celulares, notebooks, drones e carros elétricos usados pelos “prosperados” serão quase todos made in China.
Ao fim, a mudança acontece para que nada mude: mantenha-se as indústrias mais sofisticadas do país em plena expansão.