Charge que inspirou meme do ônibus será vendida como NFT, diz criador brasileiro

Sentadas num ônibus, duas pessoas encaram as vistas de suas janelas. Com desânimo e tristeza, uma delas vê a rigidez cinzenta de uma montanha rochosa, e a outra encara e registra a luz policromática do pôr do sol que ilumina montanhas de cobertura vegetal. A cena que recentemente viralizou como meme nas redes sociais de diversos países é uma charge do brasileiro Genildo Ronchi, que agora quer vender a imagem como NFT.

Criada em 2013, a charge vem sendo adaptada para uma série de memes dentro e fora do Brasil. E se você é um usuário ativo das redes sociais, provavelmente esbarrou nela nas últimas semanas.

Surpreendido com a fama repentina, Ronchi disse à Folha que pretende vender a figura como um NFT —token não fungível, na sigla em inglês—, o fenômeno no qual códigos alfanuméricos armazenados na rede blockchain são associados a imagens, animações, vídeos ou músicas, e vendidos com certificados de autenticidade digital.

Ainda sem saber o valor que cobrará pela venda, o cartunista tem aproveitado a fama e feito novas charges atreladas ao desenho que viralizou.

O original surgiu há oito anos, em 24 de agosto, data de aniversário do artista. “Eu sempre passava perto de um terreno baldio que era cheio de mato, terra e lixo. Ali não cheirava nada bem. Algumas vezes, andei pelo caminho com olhos fechados e prendendo a respiração”, diz ele. “Mas um dia percebi que poderia começar a olhar para o outro lado enquanto atravessava o terreno. Passei, então, a ver o pôr do sol, uma coisa maravilhosa. Descobri que posso aceitar ser feliz mesmo diante de algo que não me faz bem. Cheguei em casa e fiz a obra.”

A frase “escolha o lado feliz da vida”, que compõe a charge original, foi excluída da maioria das adaptações da imagem. Além da mensagem, a assinatura do autor ficou de fora em muitos casos, o que lhe causou desconforto.

“Alguns memes cortaram minha assinatura, talvez por medo de processo, ou algo do tipo. Mas com humildade, comecei a agradecer as referências [à charge] nos perfis e notei que isso favoreceu o mapeamento dos créditos na viralização.”

Na Espanha, nos Estados Unidos, no Brasil e numa série de países asiáticos, a obra de Ronchi vem ganhando destaque com narrativas de humor de diversos contextos do cotidiano.

Grande parte dos memes usam a charge para comparar duas situações distintas, que são representadas pelos personagens —e suas expressões faciais marcantes— feliz e triste. Já em alguns casos, uma única circunstância é suficiente para surfar no meme.

E vale de tudo para viralizar, desde adaptar o texto da imagem até compor uma música inspirada na charge, como mostra um vídeo com mais de 76 mil visualizações no YouTube.

“Conseguiram fazer humor em cima de algo sério, que mexe com raízes psicológicas. Mas mesmo assim, gostei de saber disso”, afirma o cartunista.

Ronchi explica que a charge não foi criada para menosprezar sofrimentos alheios, ou desconsiderar a legitimidade da tristeza.

Ele diz ainda que se esforçou para não especificar o gênero dos personagens e a região onde vivem.

“Nessa iconografia, eu trabalhei essencialmente com o psicológico e usei bastante semiótica”, afirma, detalhando a escolha da profundidade, do sombreado, das linhas e das gigantescas janelas, que ele enxerga como “as almas do indivíduo”.

Nascido em São Mateus, município de Espírito Santo, o cartunista, de 53 anos, é graduado em educação artística, com licenciatura plena em desenho, e faz ilustrações desde 1993, quando começou a trabalhar no jornal A Gazeta de Vitória.

Na terça (30), Ronchi publicou uma charge inspirada nos memes. “No fundo somos a mesma pessoa”, anuncia a imagem, que traz um abraço entre os personagens da charge de 2013.

Ainda motivado pela fama da figura, Ronchi fez outra relacionada a ela. Nela, as mesmas pessoas estão fora do ônibus e andam lado a lado. A mensagem da vez é “surpreenda positivamente” e as cores vibrantes do cenário remetem ao pôr do sol de uma das famosas janelas.

Em meio a popularização dos memes, grandes empresas têm visto a figura como uma isca para curtidas e compartilhamentos. É o caso da Netflix e da Pizza Hut, que entraram em contato com Ronchi para autorização do uso e adaptação da charge para fins propagandísticos das marcas.

Apesar de viralizar na internet só agora, a charge já havia chamado a atenção do escritor americano Bill Cecil, que há cerca de quatro anos pediu autorização para usá-la no seu livro inédito no Brasil “Seven Winning Strategies To Help You Help Your Children Succeed in School and in Life” (sete estratégias vencedoras para ajudá-lo a ajudar seus filhos a ter sucesso na escola e na vida) e em palestras profissionais. Desde então, Ronchi recebe anualmente parte do lucro desse material.

Agora, com a charge inspirando memes globais, o artista pode conquistar novos lucros e, por isso, está de olho no mercado de NFTs. “Ainda preciso checar o valor que colocarei, mas já sei que quero fazer isso.”


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