Há mais de 2.000 anos, os antigos gregos observavam a natureza e demonstravam a partir de seus experimentos que o planeta Terra era esférico. Aristóteles (384 – 322 a.C), por exemplo, chegou a esta conclusão ao observar a sombra de nosso planeta sobre a Lua durante um eclipse. Eratóstenes (276 – 194 a.C) mediu a sombra de um mesmo objeto no mesmo horário em lugares diferentes, e a partir da diferença de tamanho estimou a circunferência do planeta.
Da antiguidade aos dias atuais, a observação é a principal matéria-prima do método científico.
“O fato de a Terra ser redonda elucida de uma só vez várias situações medidas que você não consegue explicar utilizando a hipótese de que a Terra é plana”, afirma o professor de física Bruno Carneiro da Cunha, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). “E a parte muito interessante da ciência é que conseguimos chegar a consensos exatamente porque partimos de experimentos que podem ser repetidos e dados que podem ser observados por outras pessoas e chegamos à mesma conclusão.”
Como completa Gustavo Rojas, pesquisador da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), “a natureza simplesmente é, não está nem aí para o que a humanidade acha disso”.
Reunimos nos próximos parágrafos algumas observações que podem ser repetidas por qualquer pessoa e são explicadas pela forma da Terra —redonda ou, mais precisamente, de um geoide, com leve achatamento nos polos— e por seu movimento em torno do Sol.
Ali onde a vista alcança
Quando observamos um barco que navega em direção ao horizonte, a imagem que temos não é a de um objeto que fica menor e menor até se tornar invisível. Na verdade, é possível perceber que ao chegar na linha do horizonte o barco começa a desaparecer em partes, o casco do navio deixa de ser visível, depois seu corpo e por último seu mastro.
Isso acontece por conta da curvatura da Terra, que faz com que nossa visão do horizonte esteja limitada a uma linha reta que alcança até certo ponto da curvatura terrestre. A partir de lá, o objeto que segue rumo ao horizonte desaparece abaixo desta linha. Sendo assim, mesmo com a ajuda de uma luneta para ampliar a imagem, o barco ainda vai desaparecer do campo de visão.
De cima da árvore, de cima da casa
A distância até onde vemos algo no horizonte está diretamente relacionada com a curvatura da Terra e com a altura de onde a observação é feita, e essa distância pode ser calculada em uma fórmula matemática.
Usando uma calculadora online da curvatura da Terra, é possível perceber que uma pessoa cujos olhos estão a 1,5 metro do chão vê o horizonte a 4,37 km. Já alguém com o olhar a 3,5 metros do chão é capaz de ver o horizonte a 6,67 km.
Ou seja, subir em uma árvore ou na laje de uma casa permite ampliar seu horizonte de visão em mais de dois quilômetros. Não acredita? Basta fazer o teste de observação em dois pontos de altura diferente -a melhor maneira é em algum lugar plano ou com espaço descampado à frente.
Dias mais longos, mais curtos e as estações do ano
Às vésperas do inverno, o número de horas de luminosidade solar é cada vez menor e as noites cada vez mais longas. Para quem está em São Paulo, no final de junho, o Sol nasce por volta das 6h45 e se põe antes das 17h30.
Em dezembro, o contrário acontece. O nascer do sol acontece antes das 6h15 e o pôr do sol só chegará depois das 19h45.
O motivo dessa diferença de iluminação é descrito pelo formato da Terra e por sua inclinação, a posição das partes do planeta com maior tempo ou menor tempo diário de exposição ao Sol muda ao longo do ano -por conta do movimento de translação. Assim, em junho, o hemisfério sul passa a maior parte de seus dias na parte não iluminada do globo. Já no final do ano, o mesmo hemisfério recebe mais horas de Sol em sua face.
Esta diferença de horas de iluminação —e de diferenças climáticas entre inverno e verão— é menor conforme nos aproximamos da linha do Equador, que marca o meio do planeta.
Tamanho da sombra e ângulo de iluminação
Um objeto colocado abaixo de uma luminária não tem sombra a seu redor, no entanto, conforme afastamos este objeto da fonte de luz, o tamanho da sombra aumenta. Isso se dá pela mudança no ângulo de iluminação, e é possível calcular este ângulo ao comparar dois objetos iluminados em lugares diferentes e o tamanho de suas sombras em cada lugar.
É isso que fez o grego Eratóstenes para calcular a circunferência do planeta Terra. Um mesmo objeto em lugares diferentes da Terra no mesmo horário recebe iluminação do Sol sob diferentes ângulos. Assim, fazendo a medida da sombra de um bastão em dois lugares diferentes da Terra (a centenas de quilômetros de distância), ele calcula a circunferência do planeta e chega ainda na antiguidade a um valor próximo do real (15% maior que o que temos hoje, segundo o físico João E. Steiner).
O experimento parece difícil de ser repetido sem ajuda, mas há um projeto global que reúne escolas de todo o mundo para refazer o experimento, trocar informações e calcular a circunferência terrestre.
Desde 2015, mais de 5.500 escolas em 105 países já participaram do experimento. A próxima medição global acontecerá em setembro de 2019.
O Cruzeiro do Sul e a Estrela Polar
O Brasil traz no centro de sua bandeira a constelação do Cruzeiro do Sul, conhecida por suas cinco estrelas mais brilhantes que apontam a direção sul. A constelação, tão conhecida dos brasileiros e dos navegadores do hemisfério sul, não é vista por quem observa o céu noturno nos Estados Unidos ou na Europa.
Já a Estrela Polar (uma das estrelas da constelação Ursa Menor), usada recorrentemente para indicar a direção norte do planeta, é vista apenas por quem está na região norte do planeta, e não serve de bússola natural para os moradores do Brasil.
Com pontos de vistas diferentes do Universo, os moradores do hemisfério sul e do hemisfério norte veem áreas diferentes do céu.
As três estrelas conhecidas como “Três Marias” formam o Cinturão de Órion. Órion é uma constelação classificada como equatorial por estar na região central do céu e poder ser vista tanto por moradores do hemisfério sul quanto do hemisfério norte. No entanto, não sob o mesmo ponto de vista.
Quem vê Órion a partir da parte sul do planeta tem a imagem do caçador de ponta cabeça. Para testar, use um aplicativo como o Sky Map para a localização dos astros durante a observação noturna do céu.
Outra curiosidade, a mudança de ponto de vista entre o hemisfério norte e sul também altera a forma como vemos a lua crescente. A lua crescente que aparece como um “C” no céu brasileiro é vista como um “C” invertido no céu dos EUA ou da Europa.
Fontes: Gustavo Rojas, pesquisador da UFSCar, Bruno Carneiro da Cunha, pesquisador da UFPE, Centro de Referência para o Ensino de Física da UFRGS, Eratosthenes Experiment 2019 e “A Origem do Universo”, de João E. Steiner.