Todos já criamos hipóteses sobre a utilidade de dormir. O desejo é não dormir para terminar alguma tarefa, curtir uma festa o dia inteiro, ou várias, estudar mais para uma prova, ter mais de um emprego, passar mais tempo com a família… As razões são muitas. Afinal, qual o benefício de perder 8 horas por dia dormindo?
Em algum momento, já tentamos driblar o sono e tentamos ficar acordados além da conta. Mas existe um instante em que é impossível resistir, o organismo nos obriga a desligar e rende-se ao sono. O ímpeto de dormir é tão grande, tão grande, que ficar acordado não é uma opção.
Estudos desses mecanismos que nos obrigam a dormir pela privação do sono estão no centro das pesquisas mais interessantes que acontecem hoje. O que acontece durante o sono é investigado por muitos grupos de cientistas ao redor do mundo.
Em uma seção especial na revista Science, os cientistas do Reino Unido N.Franks e W.Wisden tratam sobre o ímpeto de dormir.
Três aspectos chamam a atenção: o primeiro é o motivo pelo qual dormimos. O segundo aspecto é sobre a privação de sono e o terceiro é se existem mecanismos que podem ser induzidos por fármacos.
Por que dormimos
A função do sono traz mais perguntas que respostas aos cientistas. Não existe uma resposta óbvia, mas existem várias hipóteses.
Investigações indicam que o sono é importante na consolidação de memórias recentes. Como um replay dos melhores momentos de uma partida, o cérebro faz o replay das conexões do dia e treina a memória.
O replay foi observado pela ativação de ondas de alta frequência no hipocampo que repetem as conexões feitas durante o dia. Essa memória pode ser reforçada ou alterada.
O sono pode ser categorizado em duas fases, REM (do inglês, movimento rápido dos olhos) e NREM (fase não REM). Durante o dia, com o indivíduo acordado, as ondas elétricas têm banda larga de frequência e potência baixa, enquanto na fase NREM o sinal é de alta potência e espectro mais definido nas frequências delta (0.5 a 4.0 Hz).
Entende-se que o sono tem funções fisiológicas importantes no cérebro como limpá-lo de resíduos do metabolismo celular.
O paralelo é da equipe que limpa o escritório: a tarefa pode ser feita durante o dia enquanto as pessoas trabalham pelo escritório e geram sujeira, mas é feita com muito mais maestria quando realizada à noite, quando não há trabalho no local.
Assim, durante o sono, a limpeza é uma tarefa que pode ser completada. No cérebro, quem faz o papel da limpeza é o sistema glifático e também responsável por funções de mudanças estruturais.
Um fenômeno importante é que, durante o sono, o cérebro diminui a temperatura em 1,5°C, durante o sono NREM. Essa diferença tem impacto importante na condução pós-sináptica da corrente.
Efeitos da privação do sono
Uma evidência da importância do sono é que a falta dele traz deterioração da função cerebral.
Estudos mostram que um sono insuficiente tem efeitos negativos nas tarefas cognitivas e no humor. A privação de sono tem efeitos a curto prazo, como a perda de atenção que pode acarretar em acidentes no trânsito ou no trabalho.
Pessoas com privação de sono de apenas uma noite já têm performance prejudicada em tarefas de marcha, segundo trabalho publicado na Nature Scientific Reports de cientistas brasileiros, G.Umemura e colegas da USP.
Outro estudo mostra que a privação de sono devido a horários de trabalho não regulares em obstetras pode levar a erros médicos e diminuir a qualidade de vida do profissional.
Como exemplo de efeito a longo prazo, um estudo de 25 anos do governo britânico acompanhou 8.000 funcionários públicos que reportavam o número de horas dormidas. Na população entre 50 e 60 anos, havia maior incidência de demência em pessoas com sono curto crônico, ou seja, de duração menor que seis horas por noite.
Existem diversos estudos mostrando efeitos deletérios da privação de sono — o que ainda não nos dá explicação de por que dormimos, mas mostra a importância desta função.
Indução do sono
Se o sono é tão importante, então devemos preservá-lo, ou ao menos garantir que a parte funcional dele aconteça. Se houver esse entendimento, será possível desenvolver remédios que possam ajudar na tarefa da restauração da atividade do cérebro, por exemplo.
Uma constatação importante foi que a queda de temperatura do cérebro de 1,5°C durante a fase NREM leva o cérebro a ficar em operação inconsciente. Algumas drogas anestésicas têm esse mesmo efeito de levar o sujeito à inconsciência e trazê-lo de volta.
O desenvolvimento de drogas específicas que mimetizem esses mecanismos pode ser importante para melhorar a qualidade do sono, trazendo seus benefícios.
Com o avanço da ciência do sono, já entendemos bem os efeitos clínicos do sono e da privação do sono na saúde. Entretanto, pouco se sabe sobre os mecanismos biológicos e as especificidades dos circuitos e regiões do cérebro que trabalham para garantir as funções fisiológicas do sono. Algumas destas operações também têm o mesmo efeito que alguns anestésicos e, a princípio, drogas têm potencial para trazer benefícios do sono.