Cientistas brasileiros podem revolucionar válvulas cardíacas

Uma equipe de pesquisadores brasileiros do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (Cemeai), da USP e Unicamp, está trabalhando no aprimoramento de uma válvula cardíaca artificial com um design inovador, que promete melhorar a qualidade de vida de pacientes com estenose aórtica.

O diferencial do dispositivo está na possibilidade de se dispensar o paciente de fazer tratamentos adicionais com anticoagulantes, usualmente adotados nestes casos após a inserção da prótese, via transplante.

Para quem tem pressa

  • A estenose aórtica é uma doença que afeta a válvula aórtica, responsável por controlar o fluxo de sangue do coração para a aorta, a principal artéria do corpo.
  • Quando essa válvula se estreita, o sangue tem dificuldade para passar, causando sintomas como falta de ar, dor no peito e, em casos graves, morte súbita.
  • A doença atinge de 2% a 5% da população mundial, principalmente idosos, segundo o Jornal da USP.
  • Nesse sentido, o dispositivo pode revolucionar o tratamento evitando a formação de coágulos.

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Em casos mais severos da doença, a única opção para promover uma melhora na qualidade de vida do paciente é realizar um transplante.

A operação consiste em substituir a válvula natural disfuncional por uma artificial (ou prótese). Há vários tipos de próteses disponíveis, e a escolha vai depender das condições de cada paciente.

Tipos de válvulas

Atualmente, existem três tipos principais de válvulas cardíacas artificiais: mecânicas, poliméricas e biológicas.

  • As válvulas mecânicas são feitas de metal com uma vida útil mais longa, mas requerem o uso de anticoagulantes.
  • As válvulas poliméricas são feitas de polímeros, com uma vida útil menor, mas não requerem o uso de anticoagulantes.
  • As válvulas biológicas são feitas de tecido animal ou humano e não requerem o uso de anticoagulantes, mas precisam ser trocadas com mais frequência.

Os anticoagulantes são utilizados para “afinar” o sangue, ou seja, impedem a formação de coágulos e facilitam a circulação sanguínea.

Esse tipo de tratamento medicamentoso requer extremo cuidado e atenção do paciente, sobretudo com sangramentos, para evitar risco de complicações.

VALCULA CARDI
Ilustração de uma válvula aórtica natural ao lado de uma prótese de uma válvula cardíaca. A Válvula Aórtica de Wheatley é inovadora para pacientes com estenose aórtica — (Fotomontagem: Jornal da USP – Imagens: Reprodução/Cedida pelos pesquisadores e Reprodução/BMJ Heart)

Válvula de Wheatley

A Válvula Aórtica de Wheatley é uma válvula polimérica, desenvolvida pelo pesquisador e cirurgião cardíaco escocês David J. Wheatley, em 2012. O modelo inovador feito em folhetos em forma “S” permite que ele abra e feche rapidamente, evitando a formação de coágulos.

Ao patentear este dispositivo, Wheatley pretendia proteger a válvula inovadora de interesses comerciais predatórios, o que desviaria o projeto de sua finalidade. O objetivo central é colocar à disposição da população um dispositivo aórtico altamente eficiente com custo reduzido, favorecendo, sobretudo, países de baixo e médio nível de desenvolvimento econômico.

Hugo Luiz Oliveira, professor da Unicamp.

No entanto, ainda era necessário aperfeiçoar o desempenho mecânico do dispositivo, uma questão essencialmente ligada aos domínios da matemática e da engenharia. Foi nesse contexto que os pesquisadores brasileiros entraram em cena, após uma colaboração entre o Cemeai e a Universidade de Strathclyde, no Reino Unido.

Trata-se de um modelo matemático bastante complicado de se fazer. É necessário compatibilizar várias necessidades e funções disciplinares. A válvula se abre quando o sangue emerge do ventrículo esquerdo (quando o coração contrai) e se fecha para evitar que o sangue retorne da aorta quando o coração relaxa. Estas observações da realidade precisam ser traduzidas em equações matemáticas passíveis de serem resolvidas por um computador.

Hugo Luiz Oliveira, professor da Unicamp.

Oliveira explica que a dinâmica do movimento envolve:

  • Conceitos da mecânica dos sólidos;
  • Mecânica dos fluidos;
  • Métodos numéricos não lineares;
  • Técnicas de remalhamento automático;
  • Contato de corpos flexíveis;
  • Computação de alto desempenho.

Mesmo com todas essas complexidades envolvidas, nós conseguimos implementar um modelo que está em fase operacional, inclusive, sendo capaz de reproduzir com fidelidade os dados observados experimentalmente.

Sendo assim, o Cemeai lidera um projeto pioneiro no Hemisfério Sul, utilizando modelagem matemática e simulação computacional para aprimorar a válvula antes dos testes clínicos, resultando em economia de tempo e recursos.

Vale ressaltar que o modelo computacional reduz o tempo de concepção e os custos de produção de protótipos e testes experimentais.

Etapas do processo

Para conseguir a aprovação dos mais importantes órgãos reguladores de saúde no planeta, há diversas etapas a serem cumpridas. Ainda assim, Oliveira lembra que antecipar situações adversas futuras da válvula pode ser muito importante para os pacientes.

Se o paciente recebe uma válvula que tenha componentes biológicos, ele não precisa tomar o anticoagulante. O problema é que a válvula precisa ser substituída ao longo do tempo. Ou seja, será necessário fazer uma nova operação para a troca assumindo todos os inconvenientes e os riscos de uma cirurgia convencional.

Projeto chegou à Câmara

Nesse meio tempo, o trabalho atraiu olhares no Brasil e no exterior, e a ANSYS (empresa líder mundial no ramo de simulações de softwares de engenharia) convidou o pesquisador para uma sessão pública na Câmara dos Deputados, em Brasília, onde discutiram a importância da simulação computacional na inovação em tratamentos e dispositivos.

O encontro foi muito positivo. Nós conseguimos estabelecer um diálogo muito importante junto à Anvisa, que se mostrou interessada nas abordagens in silico. Os próximos passos caminham na direção de agências reguladoras da Europa e Estados Unidos, ou seja, traçar diretrizes para auxiliar a confecção e a apresentação de estudos in silico para fins de homologação.


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