Por que construir bomba atômica custou quase tão caro quanto pousar na Lua

Ninguém sabe quantas vezes o físico Robert Oppenheimer subiu a estrada de Santa Fé até Los Alamos. Sob o céu azul, viaja-se entre colinas tortuosas, mira-se o fundo de precipícios, paisagens arrebatadoras se revelam continuamente. Trata-se de um dos trechos mais belos do Novo México. Oppenheimer esperava que a vista inspiraria seus colegas cientistas.

Los Alamos é um paraíso e, ao mesmo tempo, o local onde se desenvolveu a primeira arma de extermínio em massa da história. Em meio a esse idílio natural, Oppenheimer dirigiu o Projeto Manhattan, com que o presidente americano Franklin D. Roosevelt pretendia vencer a corrida contra a Alemanha de Adolf Hitler pela primeira bomba atômica.

Para o projeto de pesquisa militar, o cientista nova-iorquino de origem judaica reuniu um “espetacular conjunto de mentes brilhantes, como nunca houvera”, relata Heather McClenahan, diretora do Museu Histórico local. Entre eles estavam os vencedores do Prêmio Nobel de Física Enrico Fermi, Niels Bohr e Hans Bethe.

Ao todo, cerca de 6 mil cientistas e suas famílias viviam nas dependências do projeto – além dos mais de 125 mil empregados dos laboratórios e unidades de produção espalhados por todo o país. No entanto, era para o distante Novo México que todas as correntes confluíam, mais precisamente para o imponente prédio da Los Alamos Ranch School, uma prestigiosa escola de elite, especialmente evacuada para esse fim em 1943.

Como a ideia central do projeto fora desenvolvida no bairro de Manhattan, em Nova York, ele recebeu o título oficial de “Manhattan Engineering District”, porém mais tarde a denominação “Manhattan Project” se estabeleceu.

Quase tão caro quanto a viagem à Lua

No auditório principal revestido de madeira que servia de refeitório e sala de reuniões, William Hudgens, um dos químicos da equipe de Oppenheimer, relembra com nostalgia, mais de 70 anos depois: “Todo mundo se conhecia, não havia hierarquias.” Durante o almoço, podia acontecer que se acabasse, por acaso, sentado ao lado do “super simpático” chefe do projeto, que todos chamavam de “Oppi”.

A média de idade da equipe era de 26 anos. Hudgens se lembra de muitas festas e álcool. Contudo, ao mesmo tempo, o clima era muito tenso, e a carga de trabalho, enorme. “Estávamos todos muito preocupados que os alemães obtivessem antes de nós a bomba que decidiria a guerra.”

O Projeto Manhattan era prioridade absoluta para o governo dos Estados Unidos, com recursos praticamente ilimitados. O que começara em 1940 com um orçamento de 6 mil dólares, galgou até os 2 bilhões de dólares no prazo de cinco anos.

McClenahan calcula ter sido esse “o projeto de pesquisa mais caro, depois do pouso na Lua”. Além de sua função centralizadora, porém, Los Alamos tinha uma outra finalidade, decisiva, como “fundição de armas do projeto”, ressalta a diretora de museu.

Sua meta era preparar uma arma nuclear com base em todos os dados científicos disponíveis sobre o enriquecimento de urânio e a purificação química do plutônio. Pois no Projeto Manhattan eram desenvolvidas paralelamente tanto a bomba de urânio quanto a de plutônio.

Memorial discreto

Em 16 de julho de 1945, tudo estava pronto para testar a nova arma. A escolhida foi a a bomba de plutônio, que era a mais complicada das duas. A de urânio ficou sem ser testada, já que não havia urânio enriquecido suficiente para uma segunda bomba.

A área de testes foi o White Sands Missile Range, localizado a mais de 300 quilômetros de Los Alamos. Na época, 60 rancheiros tiveram que entregar suas terras ao Exército dos EUA, conta a assessora de relações públicas Lisa Blevin. Ela é a guia do passeio pelo gigantesco terreno, totalizando 8.300 quilômetros quadrados, que as Forças Armadas americanas só abrem à visitação uma vez por ano.

Um trajeto de carro de 45 minutos leva o grupo, formado sobretudo por estudantes de física e química de Los Alamos, até o local da explosão. Só uma leve depressão do terreno sugere uma cratera. Das cercas de segurança pendem mal cuidadas fotos da explosão, e uma espécie de obelisco lembra o momento histórico. Blevin confirma que ali o nível de radiação é dez vezes superior ao normal, embora lembrando que essa carga radioativa é inferior à que se está exposto durante um voo de quatro horas.

O estudante de física alemão Max comenta: “Não gosto de armas atômicas.” Em sua opinião, o melhor teria sido não construir a bomba. Por outro lado, foi bom a Guerra Fria ter sido “desescalada” pela arma. Afinal, não houve guerra entre países que dispunham de “possibilidades nucleares”, conclui o jovem de 24 anos.

Dúvidas profundas

Naquele dia no verão de 1945, o físico Oppenheimer e o general Leslie R. Groves, responsável-geral pelo projeto, observaram o teste a uma distância segura. Testemunhas oculares destacariam a beleza irradiada pelo cogumelo atômico e a luminosidade da explosão.

Apenas um mês mais tarde, os militares americanos lançavam as bombas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão. Muitos dos cientistas do Projeto Manhattan se espantaram ao saber da notícia pelo rádio. Alguns haviam duvidado até o último momento que as ogivas sequer fossem funcionar.

Nos laboratórios de Los Alamos, “o sentimento predominante foi de alívio, mas não houve grandes celebrações”, recorda o nonagenário Hudgens. “Não tínhamos a menor vontade de festejar uma coisa que tinha matado tanta gente.”

Porém, “o bombardeio salvou milhões de outras vidas, ao abreviar a Segunda Guerra Mundial”, afirma, acrescentando estar certo de que muitos dos demais cientistas participantes partilham dessa visão. Para o químico, esse trabalho foi “uma oportunidade rara, e a melhor coisa que podia ter acontecido na minha vida”. Afinal de contas, essa bomba mudou o mundo, diz Hudgens.

A avaliação de Robert Oppenheimer foi outra. Agora ele tinha sangue nas mãos, diria mais tarde ao presidente Harry S. Truman, durante uma conversa na Casa Branca. Dúvidas profundas acompanhariam o cientista até sua morte, em 1967, aos 62 anos. Autor: Gero Schliess


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